domingo, 10 de fevereiro de 2013

AS ÁGUIAS, OS CORVOS E NÓS.


Os  grandes ideólogos do capitalismo são poucos. São os que percebem como funciona o que pensam sobre a sociedade, enquanto  força de manutenção do sistema que a estrutura. São as águias. Voam com frieza a grande altura e atuam no longo prazo num registo global. Enfrentá-los com displicência ou sofreguidão, pode ser fatal. Permitir que altura a que voam lhes conceda um estatuto de objetividade e de imparcialidade, garante-lhes a vitória.

Entretanto, mais junto à terra, em voos mais imediatos e nervosos, funcionam as aves mais pequenas. Preocupam-se com o dia a dia, atuam no plano dos detalhes. São os pássaros do quotidiano. A sua variedade é enorme. Temos os corvos e os papagaios, os rouxinóis e os patos bravos, uma vasta e cinzenta pardalada. Ao contrário das águias, que sabem o que fazem, estas aves ligeiras julgam voar em nome da verdade. Não se sentem a defender nada. Pensam-se como encarnação espontânea da objetividade. A sua eficácia como agentes ideológicos da conservação do capitalismo está, em grande parte, ancorada na ilusão de que espelham  fiel e imparcialmente  a realidade social  para eles eterna e automática.

Nos tempos que correm as águias tendem para o pensamento trágico: elas percebem, tão bem ou melhor do que os adversários do capitalismo, que a inércia triunfante do seu sistema o está a aproximar perigosamente de um abismo histórico. Pelo contrário, a passarada ligeira bate furiosamente as asas rumo a lado nenhum, exacerbando uma aflição intuitiva, cujo sentido lhes escapa. Um lento perfume de desespero cresce dentro deles, confiscando-lhes os rumos, empurrando-os para uma ferocidade iníqua contra as vítimas do sistema como se fossem elas a causa da desgraça.  Os ventos que ao longo da história levantaram os povos dão sinais de inquietação.

Indignada e atónita a esquerda parece sentada numa plateia de incompreensão sem saber que fazer para transformar a tragédia num drama, cujo fim possa ainda ser feliz. Atrevo-me à ousadia de um primeiro conselho: tirem já esses óculos que vos deram à entrada e que vos fazem ver tudo com a cor neutra que convém ao sistema. Vejam a realidade com os vossos próprios olhos. Esqueçam as águias, libertem-se dos corvos. Sejam a força que num assomo de energia impulsione a metamorfose que a partir da larva bolorenta e triste do presente invente a borboleta que há de vir nas asas incontidas do futuro.

6 comentários:

Anónimo disse...

Esquecer? Nunca!
Nem águias, nem corvos nem o quer que seja que nos faz tnnto mal...
Isso faz parte da estratégia filosófica amorfa.
Não podemos , simplesmente, como quem não quer a coisa, esquecer tanto dano.
Respeito as tomadas de posição que cada um tem, mas daí a passar uma esponja em quakquer passado atribulado. não nessa.
Não quero passar por messianico juiz de prudentes cidadãos. Só isto e mais nada.
Boa tarde amigo
Adelino Silva

Rui Namorado disse...

O que tem o seu comentário a ver com o meu texto, eis o que é para mim um enorme mistério.

Rui Namorado disse...

O que tem o seu comentário a ver com o meu texto, eis o que é para mim um enorme mistério.

Anónimo disse...

Se reparar tem e muito...Isso quer dizer que =quem nasceu para pataco nunca chega a meio tostão= Todas as Aves do Paraíso, a meu ver, sabem o que querem. Mas esse paraíso ainda está na fase "em projeto"
Tenho que para mim os textos que escreve, e quantos não incentivam à "luta" têm qualquer coisa de suavisante conciliante, pouco classissista, melhor dizendo - "Da uma no Cravo outra na Ferradura".
No entanto gosto de ler os mesmos, gosto de saber como qualquer republicano que se presa como pensam outros republicanos de tendencia Socialista. Com o merecido respeito, é o que me vai na alma. De "O Catraio"

Rui Namorado disse...

Não procuro obedecer a qualquer padrão de uma agressividade máxima no discurso. Procuro um mínimo de eficácia na tentativa de esclarecer e de motivar; e, uma ou outra vez, o simples exercício do prazer da escrita e a leveza de algum humor.
Mas é sempre com atenção que leio as suas críticas ou as suas reflexões.

b m disse...

Meu Caro Rui,
Muito embora sem comentários, tenho seguido atentamente o teu blog.
Este é um texto magnífico que não podia deixar passar em claro.
É QUE AS ÁGUIAS ESVOAÇAM POR AÍ…
Permita-se-me contudo uma distinção prévia que, suponho, não desvirtuará o teu texto e assim permitirá joeirar as águias dos abutres nesta amálgama dos passarões.
As ÁGUIAS pairam e parece que não poisam. Mas poisam, e as mais das vezes sob a forma de ABUTRES, munidos inclusivé, como referes, da metodologia marxista que, muitos, conhecem melhor que os próprios marxistas.
Por isso, os pássaros, passarinhos e andarinhões, supõem que as águias são todas águias e … “boazinhas”. Mas na realidade, como aves de rapina que são, algumas confundem-se com as águias, mas são efectivamente ABUTRES.
Não menos carnívoras, e tanto mais eficientes quanto maior é o cemitério.
HÁ POIS QUE ESTAR ATENTO E DISTINGUIR !
E chamar as águias / abutres, pelos nomes.
Deixo um pequeno contributo desta praga nacional a evitar e/ou combater ( mas atenção ! que aqui tratamos apenas de “milhafres” made in Portugal, sempre subordinados, atentos, venerandos e obrigados aos VERDADEIROS ABUTRES ( que pairam lá nos céus ou nas profundezas dos infernos das iluminadas transcendências inter e multi nacionais ).
Transversalmente, intramuros, por forma obviamente não exaustiva e sem qualquer parti pris partidário ou outro, aí vão algumas, poucas, das ÁGUIAS / ABUTRES:
- Adriano Moreira - António Borges - Ângelo Correia - Bagão Félix ( ou será corvo ? )
Dentre os corvos, há também que chamar pelos nomes algumas destas aves non rarae :
- Os Relvas, os Passos Coelhos, os Paulo Portas, os Cavacos, os Jardins (Albertos e Gonçalves), os Vitorinos, os Ulrichs, os Isaltinos, os Duarte Limas, os Lellos, os meninos dos BPN’s ( ai ! que a lista é interminável … ) , etc., etc.
( e, não esquecer!, todos intoxicantes : mediáticos, televisivos e radiofónicos )
E nós ( eu incluido e outros ), os passarocos, pássaros, passarinhos e andarinhões, quantas vezes desatentos a esta deplorável realidade.
BOA RUI !, pela tua chamada de atenção, pois
Nunca é demais lembrá-lo, muito embora intua que eventualmente não incluirias nesta play list alguns dos nomes indicados, pelo que se aceitam e são bem vindas quaisquer sugestões e/ou correcções.
MAS O QUE IMPORTA É A MENSAGEM QUE DEIXASTE.
E é por causa dela que aqui estou.
Um abraço,
( bento )