A ficção do Estado como simples factor de despesa, não é um estilete apurado de lucidez. É uma grosseira mistificação. Há mesmo alguns comentadores de serviço que parlapeiam gravemente na comunicação social como se aquilo que eles designam como despesas do Estado fosse um puro esvair de dinheiro sem qualquer utilidade, sem qualquer contrapartida económico-social.
Como seria uma comunidade humana sem escolas públicas, sem saúde pública, sem instituições de poder local, sem polícias, sem tribunais, sem estradas? Seguramente uma selva sem despesas, mas apesar de tudo uma selva inenarrável, para as pessoas tal como para as organizações e, portanto, para as empresas. Talvez os leões e os tigres não se importassem, mas os outros não andariam certamente tranquilos, nem durariam muito. E quando apenas restassem tigres e leões, comer-se-iam inevitavelmente uns aos outros.Ou seja, essa selva não duraria muito.
Pode perguntar-se: mas esse esconjurar de selva traduz a ideia que tudo o que é público funciona bem? Nomeadamente, que esgotou a sofisticação desejável de uma racionalidade frugal que tenha atingido o aproveitamento ideal dos recursos, na realização de uma eficácia desejável ? Certamente que não.
Todavia, esse problema real não se enfrenta com o corte cego de parcelas fugidas ao concreto, numa sofreguidão de números que se manipulem como se fossem simples realidades fungíveis, mas na análise qualitativa de cada parcela inserida no conjunto a que pertence, para lhe avaliar a utilidade social e a energia transformadora prospectiva, bem como o seu potencial de irradiação gerador de bem-estar colectivo e de dignidade cívica para todos.
E a redução do destino de um país, da vida dos seus cidadãos, a uma montanha russa de deficits e de excedentes, como se a sociedade se resumisse a uma girândola numérica e misteriosa que, no entanto, por um feliz e incompreensível acaso sempre acaba por acalentar os privilégios de alguns e penalizar a pobreza de muitos, é uma simplificação tão grosseira que não deixa de ser estranha.
De facto, se parece evidente que a esmagadora maioria dos que executam esses misteriosos rituais orçamentais não são tão estúpidos que possam estar realmente convencidos que o que eles chamam a coragem de cortar seja o melhor contributo possível para qualificar a vida dos cidadãos, por que razão o fazem, por que razão, com uma blindagem olímpica de alegadas alquimias numerológicas, nos querem fazer crer na necessidade objectiva de privilégios e de sofrimentos, à sombra de uma alegada inevitabilidade das desigualdades. Inevitabilidade que juram não desejar, mas que nunca deixam de gulosamente fruir, quando é caso disso.
Como tudo seria diferente se os tigres da especulação internacional e as hienas do rating estivessem devidamente confinados em jaulas adequadas, em vez de vaguearem sofregamente por dentro da desgraça dos povos, escarafunchando cinicamente nas fraquezas ou nos percalços.
Como tudo seria diferente se a Europa se esquecesse da partitura neo-liberal, deixando de se ajoelhar perante a lógica predatória e suicida de um capitalismo desgovernado, para envolver os cidadãos europeus na procura de uma sociedade justa que permitisse a todos respirar liberdade e reaprender uma fraternidade perdida; para se envolver, ela própria, através das suas instituições, nessa procura honesta e colectiva.
Como seria uma comunidade humana sem escolas públicas, sem saúde pública, sem instituições de poder local, sem polícias, sem tribunais, sem estradas? Seguramente uma selva sem despesas, mas apesar de tudo uma selva inenarrável, para as pessoas tal como para as organizações e, portanto, para as empresas. Talvez os leões e os tigres não se importassem, mas os outros não andariam certamente tranquilos, nem durariam muito. E quando apenas restassem tigres e leões, comer-se-iam inevitavelmente uns aos outros.Ou seja, essa selva não duraria muito.
Pode perguntar-se: mas esse esconjurar de selva traduz a ideia que tudo o que é público funciona bem? Nomeadamente, que esgotou a sofisticação desejável de uma racionalidade frugal que tenha atingido o aproveitamento ideal dos recursos, na realização de uma eficácia desejável ? Certamente que não.
Todavia, esse problema real não se enfrenta com o corte cego de parcelas fugidas ao concreto, numa sofreguidão de números que se manipulem como se fossem simples realidades fungíveis, mas na análise qualitativa de cada parcela inserida no conjunto a que pertence, para lhe avaliar a utilidade social e a energia transformadora prospectiva, bem como o seu potencial de irradiação gerador de bem-estar colectivo e de dignidade cívica para todos.
E a redução do destino de um país, da vida dos seus cidadãos, a uma montanha russa de deficits e de excedentes, como se a sociedade se resumisse a uma girândola numérica e misteriosa que, no entanto, por um feliz e incompreensível acaso sempre acaba por acalentar os privilégios de alguns e penalizar a pobreza de muitos, é uma simplificação tão grosseira que não deixa de ser estranha.
De facto, se parece evidente que a esmagadora maioria dos que executam esses misteriosos rituais orçamentais não são tão estúpidos que possam estar realmente convencidos que o que eles chamam a coragem de cortar seja o melhor contributo possível para qualificar a vida dos cidadãos, por que razão o fazem, por que razão, com uma blindagem olímpica de alegadas alquimias numerológicas, nos querem fazer crer na necessidade objectiva de privilégios e de sofrimentos, à sombra de uma alegada inevitabilidade das desigualdades. Inevitabilidade que juram não desejar, mas que nunca deixam de gulosamente fruir, quando é caso disso.
Como tudo seria diferente se os tigres da especulação internacional e as hienas do rating estivessem devidamente confinados em jaulas adequadas, em vez de vaguearem sofregamente por dentro da desgraça dos povos, escarafunchando cinicamente nas fraquezas ou nos percalços.
Como tudo seria diferente se a Europa se esquecesse da partitura neo-liberal, deixando de se ajoelhar perante a lógica predatória e suicida de um capitalismo desgovernado, para envolver os cidadãos europeus na procura de uma sociedade justa que permitisse a todos respirar liberdade e reaprender uma fraternidade perdida; para se envolver, ela própria, através das suas instituições, nessa procura honesta e colectiva.
Admito que se salvem hoje vidas e se comprem amanhã submarinos, com conhecimento de causa, sabendo cada um dos cidadãos o que escolhe e quem escolhe para optar entre hipótese concretas. Não admito que se disfarcem submarinos, missões no Kososvo, despesas com saúde que salvam vidas, com a educação que rasgam horizontes de humanidade em todos nós, com carros de topo de gama para executivos de terceira, com mobiliário de luxo e despesas sumptuárias, em números que reduzem tudo ao mesmo, deslegitimando subliminarmente as muitas despesas públicas indispensáveis ao permitir que se possam confundir com algumas despesas supérfluas.
O poder europeu, as instituições internacionais hoje ainda guiadas pelos zumbis do neoliberalismo, os parlapatões de serviço, devem ter que dizer: não gastem dinheiro a prolongar vida das pessoas, afundem o reformados na magreza das pensões, deixem voltar o analfabetismo e degradem a educação, cerquem os que têm que trabalhar para sobreviver dum garrote de insegurança e duma atmosfera de humilhação. Têm que discutir em concreto, deixando de se refugiarem numa penumbra numérica que os absolve do ónus de terem que assumir explicitamente a desgraça de muitos, apenas para garantirem a sobrevivência desta máquina de produzir desigualdade que é o único caminho para o paraíso de alguns.
Os que sempre se sacrificaram, forçadamente, para alimentarem as mordomias da injustiça, certamente que aceitariam sacrificar-se, voluntariamente, em prol de um interesse colectivo numa sociedade justa que libertasse os seus descendentes do seu amargo destino. Mas não aceitarão, decerto, que os sacrifiquem, apenas para que tudo continue como está, sob a égide de uma sociedade que vampiriza os que vivem do seu trabalho, para repouso dos que detêm capital ou se inscrevem nas cortes parasitárias que o rodeiam.
O Carnaval de números, que alguns pretendem confundir com a ciência económica, está, dia após dia, a agravar os seus traços caricaturais, a perder seu potencial ilusionista, a deixar de convencer os prejudicados pelo actual tipo de sociedade que tudo resulta de uma alegada natureza das coisas que, desgraçadamente, por força da fortuna, os penalizou a eles e beneficiou outros que, coitados, nem têm culpa dos seus próprios privilégios.
Aqueles que, quando a crise soprou mais forte, desapareceram prudentemente do espaço público, metendo-se debaixo da mesa numa corajosa retirada, foram voltando a pouco e pouco e uivando de novo com toda a energia esquecendo sem vergonha as raízes das dificuldades e ousando continuar a apontar o dedo às vítimas, como se fossem elas as culpadas. Mas não se iludam, o que está em cima da mesa não é uma contabilidade de banqueiros, especuladores e correctores de desgraças que recitem angústias e difundam sustos para que tudo se aquiete.O que está em causa é a legitimidade ética e política de um tipo de sociedade que não incorpora em si própria a possibilidade de subsistir sem gerar pobreza, incerteza, violência, desigualdade, indignidade e infelicidade.
Não temos que viver junto ao chão para que uns tantos voem, principalmente, porque esta humildade apenas nos pode garantir que os nosso filhos continuem junto ao chão e os filhos dos poucos que pairam lá no alto continuam a respirar placidamente a embriaguez das alturas.
Não pode ignorar-se o imperativo de gerir no imediato a intendência o melhor possível, mas o essencial é começara a caminhar-se para um tipo de sociedade diferente, um tipo de sociedade necessariamente pós-capitalista, onde liberdade, igualdade, solidariedade e criatividade, envolvendo todos os cidadãos, sejam a atmosfera qualificante do caminho que se for percorrendo.
2 comentários:
Caro Rui,
Fiz link para "A Carta a Garcia",
Obrigado,
Abraço,
OC
ha, I will try out my thought, your post bring me some good ideas, it's really amazing, thanks.
- Norman
Enviar um comentário