quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Sem os braços caídos


1. O exacerbar dos ritmos das pequenas mudanças, da evolução dos detalhes, é cada vez mais necessário para ocultar o facto de que nada se move no que diz respeito ao tipo de sociedade: a injustiça estrutural e a desigualdade permanecem.

Anda-se com uma velocidade cada vez maior num espaço apertado de que não se quer sair.

Pode haver receitas de acção imediata que garantam uma sobrevivência um pouco maior, trajectos um pouco menos penosos, mas se não sairmos do compartimento fechado, de onde nos querem fazer crer que é impossível sair, encontraremos mais à frente, quiçá com um rosto mais carregado, os problemas que agora julgamos resolver.

2. Esquecer a dimensão económica dos problemas que a sociedade atravessa é sintoma de irrealismo. Reduzi-los a essa dimensão é pura cegueira.

3. Passado o furacão, que se receava ter sido mais devastador do que aquilo que realmente foi, mas ainda dentro da tempestade em que ele se transformou, é estranho que tão rapidamente tenham voltado à luz do dia as ideias, os modos de pensar, as propostas, as previsões, as doutas alegações que reinavam antes do furacão. Que reinavam e tão cegamente o chamaram, tanto contribuíram para o desencadear, tão pouco foram capazes de o prever.

Se os adoradores do mercado fossem tão rigorosos para com essas ideias, como os investidores parecem ser para com os necessitados dos seus capitais, seguramente, que todas essas ideias e alegações, se pudessem ser cotadas em bolsa, não valeriam um único cêntimo.

4. Milhões de trabalhadores europeus têm saído à rua transbordantes de revolta e angústia, insurgindo-se contra o garrote que cada vez mais os aperta. Os dias de muitos são cada vez mais cinzentos. A injustiça que os cerca é cada vez mais insuportável.

Por que parece fraca a sua força ? Talvez por não terem ainda sido capazes de dizer em uníssono: se nos excluem desta sociedade como se ela não fosse nossa, vamos ter que lutar por uma que o seja.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Estamos em Coimbra, estamos no PS.


Uma esgrima de ruídos cruzados que reflecte o que é secundário. Um silêncio de chumbo sobre o essencial. Dois conservadorismos lutam, arrastadamente, entre si. Estamos em Coimbra, estamos no PS. Uma épica melancólica ficciona entusiasmos.

Uma girândola de pequenas razões ocupa a ribalta. Ocasos e alvoradas de “grandes” carreiras prometem-se e receiam-se. Discursos previsíveis visitam-se mutuamente, carregados de hostilidade. Penosas listagens de apoios concorrem entre si numa rotina apagada. Discretas ausências marcam distâncias. Há uma contabilidade cinzenta de jantares que sugere uma penosa relação de forças. Um silêncio de chumbo sobre o essencial.

É nesta melodia de Outono, ancorada no passado, que se tece uma ilusão de futuro. Estamos em Coimbra. Estamos no PS. Algum de nós não terá ao menos uma gota de culpa?

O Olimpo parece querer trovejar para o lado contrário do que é habitual. Mas não se percebe porquê. Também ele parece aprisionado em pequenas razões, em cálculos sem horizonte. A política parece exilada. Socialismo é uma palavra ferida de silêncio. Esperança é uma burocracia de lugares comuns, uma retórica de glórias improváveis, uma monotonia de palavras gastas.

Parece disputar-se uma corrida para lugar nenhum. A vitória é uma bandeira ainda desfraldada, mas já sem entusiasmo, como se cada um se receasse vencedor de uma corrida que perdeu o sentido. A vitória é uma ambição afixada, mais porque é essa ânsia de vencer que se espera das rotinas instituídas do que pela força de uma ambição de abrir um novo tempo.

Respira-se uma melancolia de fim de tarde, discreta e vagamente outonal. Estamos em Coimbra. Estamos no PS. E, olhando sem acrimónia também para mim próprio, pergunto de novo: algum de nós não terá também , pelo menos, uma gota de culpa ?

domingo, 26 de setembro de 2010

Para uma política pós-cinzenta


A ficção do Estado como simples factor de despesa, não é um estilete apurado de lucidez. É uma grosseira mistificação. Há mesmo alguns comentadores de serviço que parlapeiam gravemente na comunicação social como se aquilo que eles designam como despesas do Estado fosse um puro esvair de dinheiro sem qualquer utilidade, sem qualquer contrapartida económico-social.

Como seria uma comunidade humana sem escolas públicas, sem saúde pública, sem instituições de poder local, sem polícias, sem tribunais, sem estradas? Seguramente uma selva sem despesas, mas apesar de tudo uma selva inenarrável, para as pessoas tal como para as organizações e, portanto, para as empresas. Talvez os leões e os tigres não se importassem, mas os outros não andariam certamente tranquilos, nem durariam muito. E quando apenas restassem tigres e leões, comer-se-iam inevitavelmente uns aos outros.Ou seja, essa selva não duraria muito.

Pode perguntar-se: mas esse esconjurar de selva traduz a ideia que tudo o que é público funciona bem? Nomeadamente, que esgotou a sofisticação desejável de uma racionalidade frugal que tenha atingido o aproveitamento ideal dos recursos, na realização de uma eficácia desejável ? Certamente que não.

Todavia, esse problema real não se enfrenta com o corte cego de parcelas fugidas ao concreto, numa sofreguidão de números que se manipulem como se fossem simples realidades fungíveis, mas na análise qualitativa de cada parcela inserida no conjunto a que pertence, para lhe avaliar a utilidade social e a energia transformadora prospectiva, bem como o seu potencial de irradiação gerador de bem-estar colectivo e de dignidade cívica para todos.

E a redução do destino de um país, da vida dos seus cidadãos, a uma montanha russa de deficits e de excedentes, como se a sociedade se resumisse a uma girândola numérica e misteriosa que, no entanto, por um feliz e incompreensível acaso sempre acaba por acalentar os privilégios de alguns e penalizar a pobreza de muitos, é uma simplificação tão grosseira que não deixa de ser estranha.

De facto, se parece evidente que a esmagadora maioria dos que executam esses misteriosos rituais orçamentais não são tão estúpidos que possam estar realmente convencidos que o que eles chamam a coragem de cortar seja o melhor contributo possível para qualificar a vida dos cidadãos, por que razão o fazem, por que razão, com uma blindagem olímpica de alegadas alquimias numerológicas, nos querem fazer crer na necessidade objectiva de privilégios e de sofrimentos, à sombra de uma alegada inevitabilidade das desigualdades. Inevitabilidade que juram não desejar, mas que nunca deixam de gulosamente fruir, quando é caso disso.

Como tudo seria diferente se os tigres da especulação internacional e as hienas do rating estivessem devidamente confinados em jaulas adequadas, em vez de vaguearem sofregamente por dentro da desgraça dos povos, escarafunchando cinicamente nas fraquezas ou nos percalços.

Como tudo seria diferente se a Europa se esquecesse da partitura neo-liberal, deixando de se ajoelhar perante a lógica predatória e suicida de um capitalismo desgovernado, para envolver os cidadãos europeus na procura de uma sociedade justa que permitisse a todos respirar liberdade e reaprender uma fraternidade perdida; para se envolver, ela própria, através das suas instituições, nessa procura honesta e colectiva.


Admito que se salvem hoje vidas e se comprem amanhã submarinos, com conhecimento de causa, sabendo cada um dos cidadãos o que escolhe e quem escolhe para optar entre hipótese concretas. Não admito que se disfarcem submarinos, missões no Kososvo, despesas com saúde que salvam vidas, com a educação que rasgam horizontes de humanidade em todos nós, com carros de topo de gama para executivos de terceira, com mobiliário de luxo e despesas sumptuárias, em números que reduzem tudo ao mesmo, deslegitimando subliminarmente as muitas despesas públicas indispensáveis ao permitir que se possam confundir com algumas despesas supérfluas.

O poder europeu, as instituições internacionais hoje ainda guiadas pelos zumbis do neoliberalismo, os parlapatões de serviço, devem ter que dizer: não gastem dinheiro a prolongar vida das pessoas, afundem o reformados na magreza das pensões, deixem voltar o analfabetismo e degradem a educação, cerquem os que têm que trabalhar para sobreviver dum garrote de insegurança e duma atmosfera de humilhação. Têm que discutir em concreto, deixando de se refugiarem numa penumbra numérica que os absolve do ónus de terem que assumir explicitamente a desgraça de muitos, apenas para garantirem a sobrevivência desta máquina de produzir desigualdade que é o único caminho para o paraíso de alguns.

Os que sempre se sacrificaram, forçadamente, para alimentarem as mordomias da injustiça, certamente que aceitariam sacrificar-se, voluntariamente, em prol de um interesse colectivo numa sociedade justa que libertasse os seus descendentes do seu amargo destino. Mas não aceitarão, decerto, que os sacrifiquem, apenas para que tudo continue como está, sob a égide de uma sociedade que vampiriza os que vivem do seu trabalho, para repouso dos que detêm capital ou se inscrevem nas cortes parasitárias que o rodeiam.

O Carnaval de números, que alguns pretendem confundir com a ciência económica, está, dia após dia, a agravar os seus traços caricaturais, a perder seu potencial ilusionista, a deixar de convencer os prejudicados pelo actual tipo de sociedade que tudo resulta de uma alegada natureza das coisas que, desgraçadamente, por força da fortuna, os penalizou a eles e beneficiou outros que, coitados, nem têm culpa dos seus próprios privilégios.

Aqueles que, quando a crise soprou mais forte, desapareceram prudentemente do espaço público, metendo-se debaixo da mesa numa corajosa retirada, foram voltando a pouco e pouco e uivando de novo com toda a energia esquecendo sem vergonha as raízes das dificuldades e ousando continuar a apontar o dedo às vítimas, como se fossem elas as culpadas. Mas não se iludam, o que está em cima da mesa não é uma contabilidade de banqueiros, especuladores e correctores de desgraças que recitem angústias e difundam sustos para que tudo se aquiete.O que está em causa é a legitimidade ética e política de um tipo de sociedade que não incorpora em si própria a possibilidade de subsistir sem gerar pobreza, incerteza, violência, desigualdade, indignidade e infelicidade.

Não temos que viver junto ao chão para que uns tantos voem, principalmente, porque esta humildade apenas nos pode garantir que os nosso filhos continuem junto ao chão e os filhos dos poucos que pairam lá no alto continuam a respirar placidamente a embriaguez das alturas.

Não pode ignorar-se o imperativo de gerir no imediato a intendência o melhor possível, mas o essencial é começara a caminhar-se para um tipo de sociedade diferente, um tipo de sociedade necessariamente pós-capitalista, onde liberdade, igualdade, solidariedade e criatividade, envolvendo todos os cidadãos, sejam a atmosfera qualificante do caminho que se for percorrendo.

Sobre a guerra contra Lula e Dilma


Nos últimos dias, a direita brasileira entrou em desespero. Já ciente de uma derrota anunciada nas eleições presidenciais, parece agora alarmada com o risco de se ver submersa por uma vaga politicamente devastadora favorável à coligação apoiante do actual Presidente, que reduzisse a oposição no Senado e na Câmara de Deputados a uma insignificãncia política.

Assim, depois de lançar uma gigantesca campanha de propaganda, assente em puras invenções mediáticas ou em empolamentos grosseiros de factos sem relevo ou sem conexão com os alvos políticos que queria atingir, conseguiu, por vezes, ver associados à sua histeria anti-Dilma e anti-Lula algumas figuras públicas prestigiadas e reconhecidas pela sua inequívoca identificação com valores democráticos. Essa associação, tão desprestigiante para quem se prestrou a essa triste cumplicidade com o que há de mais sórdido e reaccionário no panorama político brasileiro, não tem dado sinais de ser suficiente para salvar do desastre os que continuam a sonhar com uma revanche anti-Lula.
Ilustrando exemplarmente o que está essencialmente em causa nesta pugna eleitoral, o grande teólogo brasileiro da teologia da libertação, Leonardo Boff, que está militantemente envolvido na candiddatura de Marina Silva, não apoiando por isso Dilma, na 1ª volta, sentiu-se obrigado a tomar posição pública na contenda que grassa no grande país latino-americano.
É essa posição, datada do passado dia 24 de Setembro de 2010, que abaixo transcrevo na íntegra:


A mídia comercial em guerra contra Lula e Dilma

Por Leonardo Boff*
Sou profundamente pela liberdade de expressão em nome da qual fui punido com o “silêncio obsequioso”pelas autoridades do Vaticano. Sob risco de ser preso e torturado, ajudei a editora Vozes a publicar corajosamente o “Brasil Nunca Mais” onde se denunciavam as torturas, usando exclusivamente fontes militares, o que acelerou a queda do regime autoritário.Esta história de vida, me avaliza para fazer as críticas que ora faço ao atual enfrentamento entre o Presidente Lula e a midia comercial que reclama ser tolhida em sua liberdade. O que está ocorrendo já não é um enfrentamento de idéias e de interpretações e o uso legítimo da liberdade da imprensa. Está havendo um abuso da liberdade de imprensa que, na previsão de uma derrota eleitoral, decidiu mover uma guerra acirrada contra o Presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff. Nessa guerra vale tudo: o factóide, a ocultação de fatos, a distorção e a mentira direta.Precisamos dar o nome a esta mídia comercial. São famílias que, quando vêem seus interesses comerciais e ideológicos contrariados, se comportam como “famiglia” mafiosa. São donos privados que pretendem falar para todo Brasil e manter sob tutela a assim chamada opinião pública. São os donos do Estado de São Paulo, da Folha de São Paulo, de O Globo, da revista Veja na qual se instalou a razão cínica e o que há de mais falso e chulo da imprensa brasileira. Estes estão a serviço de um bloco histórico, assentado sobre o capital que sempre explorou o povo e que não aceita um Presidente que vem deste povo. Mais que informar e fornecer material para a discussão pública, pois essa é a missão da imprensa, esta mídia empresarial se comporta como um feroz partido de oposição.Na sua fúria, quais desesperados e inapelavelmente derrotados, seus donos, editorialistas e analistas não têm o mínimo respeito devido à mais alta autoridade do pais, ao Presidente Lula. Nele vêem apenas um peão a ser tratado com o chicote da palavra que humilha.Mas há um fato que eles não conseguem digerir em seu estômago elitista. Custa-lhes aceitar que um operário, nordestino, sobrevivente da grande tribulação dos filhos da pobreza, chegasse a ser Presidente. Este lugar, a Presidência, assim pensam, cabe a eles, os ilustrados, os articulados com o mundo, embora não consigam se livrar do complexo de vira-latas, pois se sentem meramente menores e associados ao grande jogo mundial. Para eles, o lugar do peão é na fábrica produzindo.Como o mostrou o grande historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma) “a maioria dominante, conservadora ou liberal, foi sempre alienada, antiprogresssita, antinacional e nãocontemporânea. A liderança nunca se reconciliou com o povo. Nunca viu nele uma criatura de Deus, nunca o reconheceu, pois gostaria que ele fosse o que não é. Nunca viu suas virtudes nem admirou seus serviços ao país, chamou-o de tudo, Jeca Tatu, negou seus direitos, arrasou sua vida e logo que o viu crescer ela lhe negou, pouco a pouco, sua aprovação, conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que contiua achando que lhe pertence (p.16)”.Pois esse é o sentido da guerra que movem contra Lula. É uma guerra contra os pobres que estão se libertando. Eles não temem o pobre submisso. Eles tem pavor do pobre que pensa, que fala, que progride e que faz uma trajetória ascendente como Lula. Trata-se, como se depreende, de uma questão de classe. Os de baixo devem ficar em baixo. Ocorre que alguém de baixo chegou lá em cima. Tornou-se o Presidene de todos os brasileiros. Isso para eles é simplesmente intolerável.Os donos e seus aliados ideológicos perderam o pulso da história. Não se deram conta de que o Brasil mudou. Surgiram redes de movimentos sociais organizados de onde vem Lula e tantas outras lideranças. Não há mais lugar para coroneis e de “fazedores de cabeça” do povo. Quando Lula afirmou que “a opinião pública somos nós”, frase tão distorcida por essa midia raivosa, quis enfatizar que o povo organizado e consciente arrebatou a pretensão da midia comercial de ser a formadora e a porta-voz exclusiva da opinião pública. Ela tem que renunciar à ditadura da palabra escrita, falada e televisionada e disputar com outras fontes de informação e de opinião.O povo cansado de ser governado pelas classes dominantes resolveu votar em si mesmo. Votou em Lula como o seu representante. Uma vez no Governo, operou uma revolução conceptual, inaceitável para elas. O Estado não se fez inimigo do povo, mas o indutor de mudanças profundas que beneficiaram mais de 30 milhões de brasileiros. De miseráveis se fizeram pobres laboriosos, de pobres laboriosos se fizeram classe média baixa e de classe média baixa de fizeram classe média. Começaram a comer, a ter luz em casa, a poder mandar seus filhos para a escola, a ganhar mais salário, em fim, a melhorar de vida.Outro conceito inovador foi o desenvolvimento com inclusão soicial e distribuição de renda. Antes havia apenas desenvolvimento/crescimento que beneficiava aos já beneficiados à custa das massas destituidas e com salários de fome. Agora ocorreu visível mobilização de classes, gerando satisfação das grandes maiorias e a esperança que tudo ainda pode ficar melhor. Concedemos que no Governo atual há um déficit de consciência e de práticas ecológicas. Mas importa reconhecer que Lula foi fiel à sua promessa de fazer amplas políticas públicas na direção dos mais marginalizados.O que a grande maioria almeja é manter a continuidade deste processo de melhora e de mudança. Ora, esta continuidade é perigosa para a mídia comercial que assiste, assustada, o fortalecimento da soberania popular que se torna crítica, não mais manipulável e com vontade de ser ator dessa nova história democrática do Brasil. Vai ser uma democracia cada vez mais participativa e não apenas delegatícia. Esta abria amplo espaço à corrupção das elites e dava preponderância aos interesses das classes opulentas e ao seu braço ideológico que é a mídia comercial. A democracia participativa escuta os movimentos sociais, faz do Movimento dos Sem Terra (MST), odiado especialmente pela VEJA faz questão de não ver, protagonista de mudanças sociais não somente com referência à terra mas também ao modelo econômico e às formas cooperativas de produção.O que está em jogo neste enfrentamento entre a midia comercial e Lula/Dilma é a questão: que Brasil queremos? Aquele injusto, neocoloncial, neoglobalizado e no fundo, retrógrado e velhista ou o Brasil novo com sujeitos históricos novos, antes sempre mantidos à margem e agora despontando com energias novas para construir um Brasil que ainda nunca tínhamos visto antes.Esse Brasil é combatido na pessoa do Presidente Lula e da candidata Dilma. Mas estes representam o que deve ser. E o que deve ser tem força. Irão triunfar a despeito das má vontade deste setor endurecido da midia comercial e empresarial. A vitória de Dilma dará solidez a este caminho novo ansiado e construido com suor e sangue por tantas gerações de brasileiros.
[*Teólogo, filósofo, escritor e representante da Iniciativa Internacional da Carta da Terra]

sábado, 25 de setembro de 2010

Subalternidade perigosa ?



Aconchegarmo-nos mansamente nas mãos dos senhores da capital será bom para a nossa saúde política?

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Demissão misteriosa


Com a devida vénia, transcrevo do site do DN de hoje o seguinte texto:


" O embaixador de Portugal na UNESCO confirmou que foi "demitido" do cargo, recusando comentar uma decisão de que tomou conhecimento "pela notícia da agência Lusa".
"Soube da demissão pela notícia da Lusa", declarou o actual embaixador português na agência das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, com sede em Paris.
Questionado sobre se a demissão resultou da entrevista de fundo publicada no sábado pelo semanário Expresso, Manuel Maria Carrilho afirmou que "as evidências não precisam de resposta".
Manuel Maria Carrilho é autor de um novo livro de análise da situação de Portugal, que a editora Sextante colocou hoje nas livrarias portuguesas.
Um comunicado da Sextante distribuído hoje anunciava que "Manuel Maria Carrilho acaba de ser demitido das suas funções como embaixador de Portugal na UNESCO, devido à publicação do livro E AGORA? Por uma nova República".
"Neste livro, o autor analisa a situação económica, social e política portuguesa e avança com diversas propostas, defendendo uma visão do país e do seu futuro centrada na urgente qualificação do território, das instituições e das pessoas que lance as bases de uma Nova República", acrescentava o comunicado da Sextante.
Fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros disse hoje à Lusa que a saída de Manuel Maria Carrilho da UNESCO se enquadra numa rotação de diplomatas em diversas capitais.
O ex-ministro da Cultura foi nomeado embaixador junto da UNESCO em Abril de 2008 e será agora substituído por Luís Filipe Castro Mendes, até agora a chefiar a embaixada portuguesa em Nova Deli."

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A atitude seráfica do Ministério dos Negócios Estrangeiros deixa-me a pulga atrás da orelha. São demasiadas coincidências e uma demissão demasiado expeditiva para que me não cheire a esturro.


Muitas vezes não concordei com Manuel Maria Carrilho em posições que tomou, mas nem pela cabeça me passa que alguém nas instâncias do poder socialista possa considerar descartável o contributo político, ideológico e cultural da MMCarrilho.


Querem continuar a desencorajar a criatividade dentro do PS? Querem ir confinando cada vez mais o partido a um orfeão de previsibilidades ?


Se não querem, expliquem muito bem o que aconteceu...

domingo, 19 de setembro de 2010

Eleições no Brasil

A direita brasileira que é oposição a Lula, até há cerca de um ano atrás, tinha alguma razão para esperar colocar um dos seus na Presidência da República. De facto, nas sondagens, José Serra , Governador de S.Paulo, e Aécio Neves , Governador de Minas Gerais, os dois mais importantes colégios eleitorais, entre os vários Estados brasileiros, apareciam em posição claramente destacada. Tudo parecia indicar que era no processo interno de escolha de um destes dois candidatos, ambos pertencentes ao PSDB, que se ia jogar a questão de saber quem seria o próximo Presidente da República do Brasil.

Para agravar as dificuldades do campo "lulista", dentro do PT não havia um candidato cujo potencial eleitoral conhecido se aproximase de qualquer dos nomes acima referidos e muito menos da popularidade de Lula. Também por isso, com alguma naturalidade, entre os partidos seus aliados emergiam nomes como potenciais candidatos. Para complicar, uma ex-Ministra do Governo de Lula, membro do PT, ex-Senadora prestigiada, com apreciável notoriedade pública, abandonava o PT, para aderir ao PV( Partidos dos Verdes) e assim ter a possibilidade de se candidatar também à Presidência da República.

Começou, entretanto, a dar-se por adquirido que Lula tinha uma preferência pela qual se bateria: Dilma Roussef, chefe da sua Casa Civil, o que na estrutura política brasileira envolve a responsabilidade pela coordenação dos ministros, alguém que está acima deles, alguém que com eles partilha o Governo. Mas, de início, Dilma nas sondagens estava abaixo dos dez por centro, atrás de outros pré-candidatos apoiantes de Lula, como era o caso de Ciro Gomes ( PSB).

O PT e Lula convergiram, realmente, nesse nome e apostaram num combate claro entre um candidato da direita anti-Lula e um candidato que representasse a continuidade do actual governo, liderado por Lula. Marina Silva, apoiada pelos Verdes , pareceu ser um factor perturbador dessa dicotomia. Os partidos de direita, ou por ela hegemonizados, convergiram no apoio ao candiato escolhido pelo PSDB que acabou por ser José Serra.

No entanto, o PT e Lula evitaram que Ciro Gomes se candidatasse e conseguiram o apoio do PMDB que indicou o candidato a vice-presidente na respectiva chapa. Os vinte pontos de vantagem de Serra em relação a Dilma foram-se esvaindo. Em Agosto, Dilma e Serra já estavam praticamente empatados, à volta dos 35%, enquanto Marina estacionava em torno dos 10 %. Depois Dilma foi subindo e Serra descendo; Marina permaneceu estável; os outros candidatos continuaram irrelevantemente abaixo de 1%.

Já em Setembro, passou a ser tema central das reflexões sobre os resultados eleitorais, já não se Dilma era uma favorita consistente, mas se ganharia ou não à primeira volta. A sua vantagem sobre Serra passou a oscilar entre números bem acima dos 20 %.
Paralelamente, as estimativas quanto à futura relação de forças nas duas Câmaras do Congresso, com particular relevo para o Senado, passou a ser alarmante para os partidos de oposição a Lula. Tudo parecia fazer crer que o PSDB, a mais importante força dessa oposição, para conservar algum relevo político nacional, no próximo futuro dependia da conquista dos governos estaduais de S.Paulo e de Minas Gerais, perdidos que pareciam estar o Rio de Janeiro e a Baía para apoiantes do governo e, em grande risco, Rio Grande do Sul.
Desesperada a direita abandonou então o combate político, tendo-se deixado envolver numa estratégia caluniosa de aproveitamento e empolamento de erros ou deficiências da administração pública, para, em conjugação vergonhosa com os grandes órgãos de comunicação social, tentar reverter a situação e evitar a hecatombe política que se desenha. Tal como antes da segunda vitória de Lula, tentou demonizar Dilma e o PT. Sôfrega e ciente de que trilha um caminho arriscado, tem saltado de tema em tema num desepero confrangedor.

Curiosamente, talvez para evitarem o ridículo completo, os mesmos grandes jornais brasileiros que participam na dramtização de uma crise imaginária, são forçados a reconhecer que as sondagens não parecem mostrar qualquer penalização para Dilma.

Os mesmos candidatos da oposição que publicavam fotografias e imagens suas com Lula, numa descarada tentativa de colherem algumas migalhas da sua popularidade, voltam, na semana seguinte a demonizar o actual governo e o PT. Não inovam, mas insistem. Mas não devem ser menosprezados. Falharam nas duas últimas eleições , mas Lula teria sido eleito antes, se não tivesse tido êxito um golpe de mão mediático que ficou célebre e foi desferido numa das anteriores campanhas .
Vale a pena , entretanto, recordar que meses de combate político eleitoral no Brasil deixaram a comunicação social portuguesa largamente indiferente; quando o não esteve, limitou-se a ir ronronando superficialidades dispersas, sobre o que ia acontecendo. Todavia, excitada pelo alarido mediático da canzoada anti-Lula, a comunidade lusíada dos caniches políticos mais pernósticos parece ter-se começado a agitar. Procurará, talvez, associar-se, conquanto confusamente, a tudo o que morda em Lula e em Dilma. É certo que eles já estão habituados a ladrar a alvos domésticos semelhantes, mas seria de esperar que, internacionalmente, tivessem um pouco mais de objectividade.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Arrufadas de Coimbra em mastigação melancólica.


A festa dos lugares comuns continua. Luta de tribos. É apenas o poder em disputa. Todos se conformam com a conservação de estruturas e regras do jogo. O importante para cada tribo é a sua vitória.

Figuras pomposas, por vezes impantes de uma patine lisboeta, saem das cartolas mediáticas, como se fossem importantes. Não fogem, contudo, ao espectáculo da sua própria banalidade. Lá vêm as razões por que apoiam A ou B numa mastigação previsível, que oscila entre a prosa administrativista e o discurso de ressonâncias empresariais, polvilhado pelo perfume vagamente épico da vulgata futebolística.

O discurso político reduz-se, assim, a uma quase algaraviada, onde apenas é nítida uma discreta adulação de chefes, ou uma vénia subtil perante os poderes centrais, cada tribo ostentando-se como mais ungida pelo altíssimo do que a outra.

E o socialismo que dá o nome ao partido? E a crise do capitalismo que assola o planeta e o país, massacrando as pessoas? E as marcas de esquerda que seriam de esperar num combate político entre militantes de um partido que não pode deixar de o ser? Tudo ausente.

Apenas se ouve o rumor de uma vaga esgrima entre estradas, trajectos, metros e comboios, temperado por assomos de alarido sobre fichas, inscrições e votos. E depois há as fotografias, muitas fotografias de camaradas graves, absorvidos pelo verbo providencial de alguém que se lhes dirige, olímpico e solene. Os notáveis, por seu lado, aceitam mexer-se, concedendo o apoio transcendente da sua notabilidade, ao sussurrarem a frase de um elogio contido. Abençoam os candidatos como se tivessem a chave de um imaginário céu. Em suma, um exuberante festival de frases feitas, para se justificar por que se aposta na experiência de A ou na renovação de B.

Enfim, parafraseando Eça de Queirós, mas do avesso: “Uma campanha triste”!

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Calinadas 5 - Terras do Demo



Foi ontem, cerca das 13 horas, que os meus ouvidos se arrepiaram. Na Antena 1, uma eloquente jornalista narrava as transcendentes novidades que o nosso previsível Presidente da República espalhava oficialmente por terras de Sernancelhe. O eminente político falava de castanhas. Exaltava-lhes o sabor, ousando mesmo considerá-las, num assomo de objectividade verificada, como as melhores do mundo. Tão rasgado discurso teria sido suficiente, para uma jornalista comum. Mas perante nós estava uma daquelas vocações pedagógicas que nunca deixa de aproveitar cada oportunidade para nos oferecer generosamente, quais raras iguarias, os artefactos demonstrativos da sua vasta erudição.


E para ela, terras de Sernancelhe estava longe de ser suficiente. Numa compulsão erudita ela tinha que dizer algo de mais profundo. E disse: "terras do demo". O Sr. Presidente estava na região a que Aquilino Ribeiro chamara simbolicamente "terras do demo". Estou certo que Aquilino não se terá incomodado com a mistura: estávamos, apesar de tudo, perante um Presidente da República.


Mas a sábia jornalista não conseguiu ficar-se por aí. Ela tinha que ir ainda mais longe, revelando-nos a obra onde mestre Aquilino usara a preciosa expressão. E foi o que aconteceu: a senhora jornalista informou-nos então, solenemente, que Aquilino Ribeiro usou a expressão "terras do demo" na sua conhecida obra, "Viagens na Minha Terra". Isso mesmo. E, nesse momento, a jornalista foi enorme...


Foi por isso que, no recatado Olimpo dos escritores, onde os nossos mestres falam, despreocupadamente, entre si e com a eternidade, Almeida Garrett e Aquilino Ribeiro, riram. Mas riram, desbragadamente.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Jornalismo e justiça

Um amigo que respeito e admiro, J. Hipólito Santos, chamou-me a atenção, através do ciberespaço, para a degradação que, segundo ele, tem vindo a fazer decair um jornal diário tido como de referência, o “Público”. Sem que disso pudesse saber, convergia assim com uma opinião idêntica sobre o mesmo jornal que me havia levado há uns largos meses a deixar de o comprar e de ler. E, no entanto, eu fora leitor do
"Público" , desde o seu primeiro número.

E, como estímulo a uma posição que se deu ao trabalho de expressar junto do jornal, invocou um texto que leu no dia 29 de Agosto passado, nesse mesmo jornal, da autoria do José Augusto Rocha, reputado e brilhante advogado em Lisboa. Li o texto e vou transcrevê-lo na íntegra.

Nos idos anos 60 partilhei com o José Augusto Rocha, posições e lutas, tendo tido a honra de, tal como ele, ter sido expulso da Universidade de Coimbra (embora com pena mais leve), na sequência da crise académica de 1962. Quem participou nas exaltantes Assembleias Magnas de então, não pode ter esquecido o seu papel como orador vibrante e contundente, na defesa das posições dos estudantes e da Direcção Geral da AAC de que era a voz liderante.

A vida afastou-nos. Falámos poucas vezes, desde então. Há bem mais de uma dezena de anos que não nos encontramos.

É com emoção que reconheço, quase meio século depois, o mesmo vigor argumentativo do José Augusto Rocha, o mesmo entusiasmo inteligente, a mesma capacidade para se incomodar com o que lhe parece errado ou injusto, o cuidado de não se calar.

A transcrição que se segue traduz um juízo de valor positivo sobre a qualidade do texto, mas também uma homenagem a um amigo distante e a um irredutível combatente pela liberdade e pelo direito.


Eis o texto:


Caso Freeport ou um jornalista disfarçado de “assistente”
[30 de Agosto de 2010]


Ao constituir-se assistente no processo Freeport torna-se parte no processo e contamina o próprio jornal nessa posição.
Não foi sem escândalo da sua consciência cívica que muitos cidadãos, leitores do jornal PÚBLICO, tomaram conhecimento da constituição do jornalista José António Cerejo (ora em diante só JAC) como “assistente” no inquérito judicial ao caso Freeport e, na sua sequência, têm assistido a um intenso e sistemático tratamento, descontextualizado e segmentado dos documentos e informações nele produzidas, em peças publicadas em várias edições do jornal.
A iniciativa de constituição de assistente, em si e por si, e ainda pelas consequências que desencadeia, merece solícita atenção de denúncia e os artigos publicados um exame crítico urgente e inadiável, pelo seu significado de um jornalismo impróprio de um jornal de referência que é (foi?) o PÚBLICO.
A peça do jornalista, publicada na edição do PÚBLICO do dia 10 de Agosto, sob manchete de primeira página, “Investigação ao Freeport não ouviu autor de DVD que fala de corrupção”, foi a insuportável gota de água que fez transbordar a minha vigilância cívica contra atentados a elementares princípios de legalidade democrática e infracção a regras deontológicas irrecusáveis.
Permita-se uma abordagem dos dois planos destacados como objecto da nossa preocupação: o caso da constituição de assistente e as infracções assinaladas.
Em jeito de proclamação ou manifesto, o senhor jornalista, após ter sido denunciado num canal de televisão, veio informar que se constituiu “assistente” por “razões de interesse público,” mas que verdadeiramente o estatuto de assistente nada lhe interessa, antes e só viu naquele meio legal uma forma de, assim, instrumentalizar a lei e ter acesso privilegiado – fácil e integral – aos documentos do processo.
Faz ainda a menção importante de que solicitou prévia autorização à Direcção do PÚBLICO e que tem, assim, a sua aquiescência. No mais, são visíveis as dificuldades explicativas em explicar o que não tem explicação possível, a não ser a de assumir o protagonismo de escrever uma página negra na história do jornalismo português, como já de seguida veremos.
A primeira consideração a fazer é a de que JAC, ao constituir-se assistente no processo Freeport, sob prévia autorização da Direcção do PÚBLICO, torna-se parte no processo e contamina o próprio jornal nessa posição, transformando-o – ele próprio jornal – em agente processual interessado no jus puniendi dos inquiridos e em posição parcial e irreversivelmente desfavorável para de futuro comentar e informar sobre o caso, como se constata veio a acontecer.
A constituição de assistente em processo penal torna o assistente em auxiliar do Ministério Público na prossecução do jus puniendi em relação ao delito cometido. O assistente não pode estar no processo disfarçado de outra qualidade sobreponível ou não, no caso não pode estar no processo na qualidade de jornalista disfarçado e para aí vir a ter acesso privilegiado a documentos nele produzidos, com a exclusiva intenção de os vir a tratar num processo paralelo de comunicação social e sem as regras inerentes à sua produção e contexto processual, em manifesta posição de fraude à lei e a valores como o princípio da legalidade, com ancoragem no ordenamento jurídico-penal e constitucional.
O acesso aos documentos de um processo pela comunicação social é legalmente transparente e de acesso igual e não preferencial a qualquer jornalista. JAC, ao constituir-se assistente no processo para nele assumir o papel de intruso e espião da documentação produzida, instrumentaliza a lei e coloca em sério risco a credibilidade da legeartis do exercício da profissão e em situação de prejuízo e alerta judicial restritivo futuro os direitos dos jornalistas ao seu acesso, nomeadamente com a adopção de medidas legislativas que evitem os abusos de direito configurados por actuações tão anómalas como a descrita.
Como se isto não bastasse, o jornalista em causa tem vindo a escrever no PÚBLICO, com base nessa intervenção e nesses documentos, um conjunto de artigos tendenciosos e de manifesta ausência de formação de respeito pela legalidade democrática, pretendendo, com eles e à viva força, tornar arguido quem no âmbito do processo nem sequer foi constituído arguido e, por isso, está completamente inocente.
Vêm as considerações precedentes, a propósito de um dos últimos artigos publicados e acima identificado, onde estão grosseiramente em causa dois comportamentos indesculpáveis. O primeiro, refere-se, num desesperado desejo de incriminação de José Sócrates, à questão da nulidade absoluta do DVD gravado clandestinamente e onde, segundo um depoimento anónimo de “um juiz que acompanhou de perto algumas fases da investigação e um procurador-geral adjunto, que pediram para não ser identificados, manifestaram a opinião de que essa questão [a da não audição do seu autor] podia ter sido ultrapassada a bem da investigação”. Afigura-se inacreditável que um jurista possa, perante um documento de prova absolutamente nulo e, por isso inexistente no processo, defender e sugerir a maneira enviesada e de grave fraude à lei da sua indirecta relevância e que um jornalista de formação democrática possa ser o lugar e meio da passagem de uma mensagem tão lesiva da vida privada, promovendo-a numa peça jornalística de ampla divulgação.
A segunda infracção a reter é o facto de em matéria de tanto melindre o jornalista ousar atribuir uma opinião juridicamente tão grave e desvaliosa a uma fonte anónima de juristas tão qualificados, com isso infringindo normas essenciais da deontologia profissional de jornalista, sabendo os efeitos devastadores que a mensagem produzida pode ter, junto do público, nos direitos de personalidade do cidadão que se pretende atingir.
Existe em José António Cerejo uma atitude que subliminarmente se comove com as representações de legalidade do passado e as estridentes proclamações do interesse público, que invoca, confundem-se com as ressonâncias da arcana fórmula do interesse público totalitário do antigamente, omnipresente e de triste memória no “A Bem da Nação”. Cultiva-se, assim, aquilo a que se pode chamar uma envergonhada sobrevivência da “polícia”, que no caso sobrevive não obstante todo o descrédito.
JAC procura, no caso Freeport, um processo de uma selecção de informação e documentos e no ambiente próprio e privilegiado de comunicação, de que dispõe, a sua transformação em opiniões e mensagens políticas em relação a ele, num quadro em que os leitores não têm uma informação contextual e um envolvimento cognitivo suficiente e necessário de resistência a mensagens unilateralmente persuasivas, mesmo em relação a argumentos inconsistentes, com as suas predisposições culturais e políticas.
A emergência de uma opinião pública do público, pelo público e para o público só se alcança a partir do reconhecimento da necessidade de apoiar a diversidade de opiniões, de forma a proteger o dissenso e a assegurar de forma permanente a riqueza do debate público. Subjacente a este entendimento está uma valoração positiva do pluralismo e da dialéctica da diversidade, porque só assim a esfera do discurso público pode ser desinibida, robusta e amplamente aberta.
Ao intervir neste debate, faço-o com a exclusiva preocupação de diurnamente actuar a promessa encerrada na letra e espírito do ordenamento jurídico-constitucional e ser o eco do grito de alarme contra as perversões da legalidade democrática e dos direitos de cidadania, sob qualquer forma de violação que assumam. É uma actividade cívica de tensão e intenção, um trabalho simultâneo de Prometeu e Sísifo. Sim, porque são comportamentos como os descritos que não raro conduzem às “aberturas de horror” e a processos sociais de clivagem onde contra o desespero não há medicina que impeça o recurso aos feiticeiros.


[José Augusto Rocha, Advogado “Público” 29 Ago 2010]