quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

PORTO - economia social em perspetiva



Ontem , dia 8 de fevereiro participei no Porto na cerimónia pública de atribuição do Prémio Cooperação e Solidariedade António Sérgio 2016 nas suas várias modalidades, atribuído pela CASES, uma vez que recebi nesse âmbito o Prémio Especial Personalidade do Ano. Transcrevo de seguida as palavras por mim proferidas nessa circunstância.
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Exº Senhor Ministro do Trabalho e da Solidariedade
Exªª Autoridades Nacionais e Municipais
Exº Senhor Presidente da CASES
Exº Senhor Subdiretor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
 Exºº Senhores dirigentes e militantes das organizações da economia social
 Caros amigos

Começo por felicitar vivamente todos os outros premiados.
 
Honra-me muito a distinção recebida, assumindo por isso o dever de ser digno dela.
 
Muito agradeço todos os apoios recebidos no decurso deste processo.
 
Mas só pude chegar aqui porque beneficiei, ao longo de décadas, da cooperação e da solidariedade de muitos cooperativistas e de outros militantes da economia social que comigo partilharam lutas e sonhos, pequenas e grandes vitórias, algumas derrotas.
 
Só pude chegar aqui porque o meu trabalho foi acolhido e estimulado pela Universidade de Coimbra através da sua Faculdade de Economia, a minha faculdade.
 
E porque beneficiei da cooperação e da solidariedade dos Colegas que comigo partilham há muito a aventura e a persistência de um Centro de Estudos Cooperativos e da Economia Social.
 
E, é claro, só pude chegar aqui graças à minha família e aos meus amigos.
 
Não faz sentido agradecer-lhes, mas com todos partilho hoje esta honra e este júbilo.

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Cheguei ao que é hoje a economia social através do cooperativismo, uma das grandes dinâmicas sociais que estão na base da sua identidade e da sua afirmação.
 
Envolvi-me no cooperativismo, teórica e praticamente, desde antes do 25 de abril, no quadro de uma resistência democrática que procurava um horizonte que fosse além do capitalismo.
 
 Mais tarde, já na Universidade continuei esse caminho valorizando a sua dimensão jurídica.
 
Nunca estudei o cooperativismo e a economia social, como objetos vistos de fora, no âmbito de um laboratório imaginário. Procurei sempre envolver-me neles como dinâmicas a estimular. Conhecê-los o melhor possível, para poder contribuir para o seu desenvolvimento.
 
A geografia mundial das diversas constelações da economia social reflete uma disseminação diversificada.
 
No plano europeu, a sua visibilidade aumenta.
 
Em Portugal, a economia social tem vindo a tomar consciência de si própria e a inscrever-se como prioridade nas políticas públicas.
 
As suas várias constelações vão aprendendo a reconhecer-se umas às outras como partes de uma mesma galáxia. O Estado tem-na valorizado política e institucionalmente, fixando o seu perfil jurídico-legal e dando nitidez crescente à mensagem normativa da Constituição da República nesta matéria.
 
É cada vez mais claro que a qualidade de vida das pessoas depende da afirmação de uma vasta rede de processos de desenvolvimento local unidos numa sinergia virtuosa. E parece claro que esses processos ganham robustez e perenidade, quando são enriquecidos com um protagonismo efetivo das entidades da economia social.
 
E é também certo que dificilmente pode haver desenvolvimento da economia social sem uma reforma do Estado. Uma reforma que incorpore esse desenvolvimento como energia que cresça com ela e que a impeça de se reduzir a uma simples evolução burocrático-administrativa.
 
E se olharmos com atenção para o lugar que as várias constelações da economia social ocupam na Constituição da República, facilmente a identificamos como um dos principais eixos identitários do projeto constitucional. Nessa medida, desenvolver a economia social é ainda hoje continuar a realizar o projeto de Abril.
 
Mas o império do automatismo predatório do capitalismo financeiro, a que chamam neoliberalismo, projeta no futuro de toda a humanidade o sombrio risco das catástrofes. Sejam elas ambientais, sociais, políticas ou mesmo civilizacionais.
 
Concebida para dar esperança aos povos europeus, a União Europeia deixou-se inquinar por uma tecnocracia burocraticamente aprisionada na regressão social e na anemia política, guiada por um automatismo economicista que reproduz privilégios e desigualdades, cada vez mais se afastando do horizonte inicialmente prometido.
 
É este o difícil contexto que constrange o nosso país, tolhendo o poder democrático e impedindo-o de percorrer com verdadeira liberdade o caminho que o povo escolha.
 
As várias instâncias do Estado democrático, mesmo quando protagonizadas por sujeitos políticos que pugnam pela igualdade, pela liberdade e pelo desenvolvimento sustentável, não escapam ao cerco desse contexto hostil. Um contexto construído por inércias e automatismos que, ao reproduzirem privilégios, constrangimentos e desigualdades, são a marca e o rosto do tipo de sociedade atualmente dominante.
 
Por isso, para que o Estado possa ter êxito, como impulsionador da transformação da sociedade, rumo a um horizonte de liberdade e de justiça, precisa de estar radicado numa sociedade viva. Numa sociedade animada por uma dinâmica endógena que corporize essa transformação.
 
Na verdade, nada de irreversivelmente novo se poderá esperar  do ímpeto de transformação de um Estado, cujas raízes mergulhem numa sociedade adormecida. Mas nenhum horizonte de esperança pode também ser assumido por uma sociedade cuja dinâmica endógena não seja estimulada, amparada e vertebrada por um Estado democrático em permanente aperfeiçoamento.
 
E em sociedades como a nossa, não se vislumbra  protagonismo endógeno mais relevante para uma mudança emancipatória  e humanista do que o do conjunto das organizações da economia social, encaradas na sua diversificada globalidade. Nelas se combinam a capacidade de resposta rápida e efetiva a muitos problemas relevantes da nossa sociedade e uma inequívoca ambição futurante.
 
Por isso, o desenvolvimento da economia social não é apenas uma questão que interesse aos seus protagonistas mais diretos. É, pelo contrário, uma questão que interessa ao país no seu todo, ao povo no seu conjunto.
 
 Há quem reiteradamente procure trazer para a ribalta mediática a questão de saber se a economia social tem futuro. É uma questão subalterna. A questão decisiva, cuja resposta não pode ser iludida, é outra, é a de sabermos se o nosso país é viável como democracia sem a economia social.
 
Por isso, o seu fomento, sendo uma orientação desejável das políticas públicas, não pode limitar-se a ser uma pequena região de um painel programático.
 
Pelo contrário, tem que ser um foco de irradiação para todo o espaço político, que impregne quer a política do Estado central quer a das autarquias; sem esquecer a necessidade de se projetar sem ambiguidades no espaço europeu.
 
A economia social responde à exclusão, à pobreza, à frustração, ao sofrimento, à exploração, não porque sejam eternas, mas para que sejam vencidas.
 
Por isso, não pode renunciar a responder prontamente aos desafios do presente, em nome de possíveis amanhãs que um dia possam cantar. Mas também não pode deixar-se amputar do seu próprio futuro, perdendo a energia emancipatória que a esperança lhe dá e demitindo-se de ser uma economia humana.

[Rui Namorado – Porto, 8 de Fevereiro de 2017]

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