Ontem
, dia 8 de fevereiro participei no Porto na cerimónia pública de atribuição do Prémio Cooperação e Solidariedade António Sérgio
2016 nas suas várias modalidades, atribuído
pela CASES, uma vez que recebi nesse âmbito o Prémio Especial Personalidade do Ano. Transcrevo de seguida as
palavras por mim proferidas nessa circunstância.
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Exº Senhor Ministro do Trabalho e da Solidariedade
Exªª Autoridades
Nacionais e Municipais
Exº Senhor Presidente
da CASES
Exº Senhor Subdiretor
da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Exºº Senhores dirigentes e militantes das
organizações da economia social
Caros amigos
Começo
por felicitar vivamente todos os outros premiados.
Honra-me
muito a distinção recebida, assumindo por isso o dever de ser digno dela.
Muito
agradeço todos os apoios recebidos no decurso deste processo.
Mas
só pude chegar aqui porque beneficiei, ao longo de décadas, da cooperação e da
solidariedade de muitos cooperativistas e de outros militantes da economia
social que comigo partilharam lutas e sonhos, pequenas e grandes vitórias,
algumas derrotas.
Só
pude chegar aqui porque o meu trabalho foi acolhido e estimulado pela
Universidade de Coimbra através da sua Faculdade de Economia, a minha
faculdade.
E
porque beneficiei da cooperação e da solidariedade dos Colegas que comigo
partilham há muito a aventura e a persistência de um Centro de Estudos
Cooperativos e da Economia Social.
E,
é claro, só pude chegar aqui graças à minha família e aos meus amigos.
Não
faz sentido agradecer-lhes, mas com todos partilho hoje esta honra e este
júbilo.
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Cheguei ao que é hoje a
economia social através do cooperativismo, uma das grandes dinâmicas sociais
que estão na base da sua identidade e da sua afirmação.
Envolvi-me no
cooperativismo, teórica e praticamente, desde antes do 25 de abril, no quadro
de uma resistência democrática que procurava um horizonte que fosse além do
capitalismo.
Mais tarde, já na Universidade continuei esse
caminho valorizando a sua dimensão jurídica.
Nunca estudei o
cooperativismo e a economia social, como objetos vistos de fora, no âmbito de
um laboratório imaginário. Procurei sempre envolver-me neles como dinâmicas a
estimular. Conhecê-los o melhor possível, para poder contribuir para o seu
desenvolvimento.
A geografia mundial das
diversas constelações da economia social reflete uma disseminação
diversificada.
No plano europeu, a sua
visibilidade aumenta.
Em Portugal, a economia
social tem vindo a tomar consciência de si própria e a inscrever-se como
prioridade nas políticas públicas.
As suas várias constelações
vão aprendendo a reconhecer-se umas às outras como partes de uma mesma galáxia.
O Estado tem-na valorizado política e institucionalmente, fixando o seu perfil
jurídico-legal e dando nitidez crescente à mensagem normativa da Constituição
da República nesta matéria.
É cada vez mais claro
que a qualidade de vida das pessoas depende da afirmação de uma vasta rede de
processos de desenvolvimento local unidos numa sinergia virtuosa. E parece
claro que esses processos ganham robustez e perenidade, quando são enriquecidos
com um protagonismo efetivo das entidades da economia social.
E é também certo que
dificilmente pode haver desenvolvimento da economia social sem uma reforma do
Estado. Uma reforma que incorpore esse desenvolvimento como energia que cresça
com ela e que a impeça de se reduzir a uma simples evolução
burocrático-administrativa.
E se olharmos com
atenção para o lugar que as várias constelações da economia social ocupam na
Constituição da República, facilmente a identificamos como um dos principais
eixos identitários do projeto constitucional. Nessa medida, desenvolver a
economia social é ainda hoje continuar a realizar o projeto de Abril.
Mas o império do
automatismo predatório do capitalismo financeiro, a que chamam neoliberalismo,
projeta no futuro de toda a humanidade o sombrio risco das catástrofes. Sejam
elas ambientais, sociais, políticas ou mesmo civilizacionais.
Concebida para dar esperança
aos povos europeus, a União Europeia deixou-se inquinar por uma tecnocracia
burocraticamente aprisionada na regressão social e na anemia política, guiada
por um automatismo economicista que reproduz privilégios e desigualdades, cada
vez mais se afastando do horizonte inicialmente prometido.
É este o difícil
contexto que constrange o nosso país, tolhendo o poder democrático e
impedindo-o de percorrer com verdadeira liberdade o caminho que o povo escolha.
As várias instâncias do
Estado democrático, mesmo quando protagonizadas por sujeitos políticos que
pugnam pela igualdade, pela liberdade e pelo desenvolvimento sustentável, não
escapam ao cerco desse contexto hostil. Um contexto construído por inércias e
automatismos que, ao reproduzirem privilégios, constrangimentos e
desigualdades, são a marca e o rosto do tipo de sociedade atualmente dominante.
Por isso, para que o
Estado possa ter êxito, como impulsionador da transformação da sociedade, rumo
a um horizonte de liberdade e de justiça, precisa de estar radicado numa
sociedade viva. Numa sociedade animada por uma dinâmica endógena que corporize
essa transformação.
Na verdade, nada de
irreversivelmente novo se poderá esperar
do ímpeto de transformação de um Estado, cujas raízes mergulhem numa
sociedade adormecida. Mas nenhum horizonte de esperança pode também ser
assumido por uma sociedade cuja dinâmica endógena não seja estimulada, amparada
e vertebrada por um Estado democrático em permanente aperfeiçoamento.
E em sociedades como a
nossa, não se vislumbra protagonismo
endógeno mais relevante para uma mudança emancipatória e humanista do que o do conjunto das
organizações da economia social, encaradas na sua diversificada globalidade.
Nelas se combinam a capacidade de resposta rápida e efetiva a muitos problemas
relevantes da nossa sociedade e uma inequívoca ambição futurante.
Por isso, o
desenvolvimento da economia social não é apenas uma questão que interesse aos
seus protagonistas mais diretos. É, pelo contrário, uma questão que interessa
ao país no seu todo, ao povo no seu conjunto.
Há quem reiteradamente procure trazer para a
ribalta mediática a questão de saber se a economia social tem futuro. É uma
questão subalterna. A questão decisiva, cuja resposta não pode ser iludida, é
outra, é a de sabermos se o nosso país é viável como democracia sem a economia
social.
Por isso, o seu
fomento, sendo uma orientação desejável das políticas públicas, não pode
limitar-se a ser uma pequena região de um painel programático.
Pelo contrário, tem que
ser um foco de irradiação para todo o espaço político, que impregne quer a
política do Estado central quer a das autarquias; sem esquecer a necessidade de
se projetar sem ambiguidades no espaço europeu.
A economia social responde
à exclusão, à pobreza, à frustração, ao sofrimento, à exploração, não porque
sejam eternas, mas para que sejam vencidas.
Por isso, não pode
renunciar a responder prontamente aos desafios do presente, em nome de
possíveis amanhãs que um dia possam cantar. Mas também não pode deixar-se
amputar do seu próprio futuro, perdendo a energia emancipatória que a esperança
lhe dá e demitindo-se de ser uma economia humana.
[Rui Namorado – Porto, 8 de Fevereiro de 2017]