António
Guterres será em breve formalmente escolhido para Secretário-Geral das Nações
Unidas. O Conselho de Segurança tomou a decisão unânime de o propor à
Assembleia Geral, tendo sublinhado pública e solenemente a sua escolha.
Em Portugal, têm sido reiteradas as referências
jubilosas à escolha, atravessando todos os quadrantes políticos. Os que antes
domesticamente lhe haviam mordido encolheram sorrateiramente os dentes num
sorriso amarelo. Todos sublinharam a qualidade do candidato para pessoalizarem
justamente a maior fatia do mérito da vitória. Foi justamente elogiada a diplomacia
portuguesa. Foi salientada a sinergia virtuosa de todos os órgãos de soberania.
Foi lembrada a cooperação de todos os partidos políticos no robustecimento da
candidatura. Foi valorizada a transparência inovadora do processo de escolha.
Tudo isso foi relevante. Não há interesse em repeti-lo.
Mas
há duas observações complementares que me permito fazer. Em primeiro lugar, se
tivéssemos continuado a apodrecer sob um fascismo trôpego e a praticar um
colonialismo tosco, retrógrado e indigno, se não tivéssemos percorrido os
caminhos de uma democracia que não desiste de si própria e aspira a ser o rosto
único da liberdade, da igualdade e da justiça, nunca um português teria tido a
oportunidade de expor internacionalmente o seu mérito, como fez durante uma
década António Guterres, nem muito menos de ser escolhido como ele foi para SG
da ONU. Neste sentido, o triunfo que comentamos é também um fruto do 25 de
abril, que assim mostra estar já por dentro do modo como os povos do mundo nos
olham.
Em
segundo lugar, o escolhido é um cidadão e um político da Europa do Sul, um
filho de um dos países que os tecnocratas empalhados da Europa Fria veem como
PIGS. A condescendência sobranceira e desconfiada, com que a matilha mediático-tecnocrática,
que serve diligentemente em Bruxelas o cinzento abafado do dinheiro, encara os
povos do Sul da Europa, foi discretamente coberta de ridículo.
Encarquilhada
no seu gelo teutónico a Srª Merkl pediu emprestada ao Sr. Juncker uma burocrata
búlgara do seu partido popular europeu, sublinhou que ela era do leste e mulher
e despachou-a para Nova Iorque como se
mandasse no mundo. O pequeno Juncker ronronou obedientemente seu desvelado
aplauso. Os corredores longos de Bruxelas começaram a imaginar-se a atravessar
como deuses as Nações Unidas. Mas o mundo já é outro. Olhou com estranheza para
a maciça senhora e colocou-a delicadamente no seu lugar, o oitavo.
Aprisionada
pela sua parte financeira e fria, a Europa murchou mais um pouco.
Mas
nem tudo está ainda perdido, pode sempre aparecer um europeu do Sul que escapando
ao cinzento brumoso do norte seja cordialmente recebido no coração do mundo,
dos povos do mundo, para se tornar com naturalidade Secretário-Geral da ONU.
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