quarta-feira, 27 de agosto de 2008

A guerra e a paz

Os conceitos nebulosos nunca abandonaram a cena política internacional, mas quando há uma crise mais grave eles retomam um viço mais intenso. É o que está a acontecer com a crise russo-georgiana.

Passou a falar-se muito no ”ocidente”, bem como na “comunidade internacional”. Vi diversos representantes dos USA e da União Europeia, a afirmar que a “comunidade internacional” acha isto e aquilo, ou que o “ocidente” pensa desta ou daquela maneira. Para além de se poder discutir a propriedade e o sentido de cada um desses conceitos, na circunstância concreta eles são apenas conceitos-propaganda que têm como principal função suscitar a ideia de que as posições dos USA e da União Europeia não são apenas de uns e outra, mas são uma espécie de consenso mundial partilhado pelos povos do mundo.

Mas pode perguntar-se: em que circunstâncias outros povos e outros países delegaram nesses porta-vozes a legitimidade para difundirem como universais essas posições?

E, no entanto, para não falar na invasão do Iraque, decidida contra a lei internacional com base em mentiras hoje universalmente conhecidas como tais, qualquer criança com bom senso teria percebido, quando os USA e a União Europeia decretaram a amputação da Sérvia, reconhecendo a independência do Kosovo ao arrepio do direito internacional, que se estava a legitimar (ou até a estimular) procedimentos idênticos em casos semelhantes.

Ainda por cima, a Geórgia (país com a terceira maior força de ocupação no Iraque) atacou brutalmente a capital da Ossétia do Sul, arrasando uma parte da cidade, rompendo um status quo com mais de uma dezena de anos, protegido por uma força de manutenção de paz russa, legitimada pela comunidade internacional com a concordância da Geórgia.

Basta que pensemos o que significaria, em termos de credibilidade internacional e de dignidade política, o facto de os russos terem aceite a reocupação violenta da Ossétia sem reagirem, deixando que se rompesse pelo uso da força a situação existente. Os USA e a União Europeia teriam ficado de braços cruzados se a Sérvia tivesse invadido o Kosovo, quando este se declarou unilateralmente independente?

Se misturarmos esta questão com o escudo antimíssil, que está a ser preparado pelos USA na Europa Oriental, fica claro que há aqui um perfume de política imperial que sublinha pelo seu primarismo a via desastrada seguida pelo “bushismo” agonizante e mostra como a União Europeia está hoje carecida de políticos capazes de lhe desenharem um perfil autónomo na cena internacional.

E é particularmente triste verificar que, pelo menos neste campo, a Internacional Socialista, como suporte de uma visão própria da conjuntura mundial, parece não existir.

Muito se pode especular sobre os cálculos manhosos das lideranças georgianas ou norte-americanas para levarem a acabo uma provocação tão grosseira nesta ocasião. Será que o crucial foi aproveitar estes meses, que Bush ainda tem, para fechar dossiers ou para deixar aos vindouros heranças envenenadas?


Enfim, a paz ficou mais distantes e Gorbachov já alertou para um risco de guerra que se julgava esconjurado pelo fim da “guerra fria”.

Afeganistão, Iraque, Kosovo, Geórgia, Palestina são epifenómenos da injustiça que ainda predomina no mundo actual, gerando conflitos que depois se não encerram nem resolvem.

O desastre das administrações “bushistas”, a anemia política da União Europeia, as saudades imperiais da Rússia, o produtivismo nacionalista chinês e a leveza estratégica de alguns países emergentes, fizeram o mundo recuar em termos civilizacionais na última década, mergulhando-o em guerras parcelares e parecendo ressuscitar o risco da guerra global.

A esquerda socialista, a Internacional Socialista, se não quiser correr o risco de se tornar definitivamente irrelevante, não pode continuar politicamente anémica na arena internacional. Tem que construir uma política própria e autónoma de paz e de liberdade. Não podemos continuar a deixar-nos guiar pela dialéctica cega dos poderes de facto dos impérios económicos, encabeçada politicamente por oligarquias broncas e reaccionárias.

Caminhar para a liberdade e para a autodeterminação de todos os povos, através de uma via pacífica, subordinada ao direito internacional e a uma ética de convivência universal, é uma opção muito difícil, mas não tem alternativa. E se os povos e os países se relacionarem com mais justiça e com respeito pela liberdade de todos eles, num quadro geopolítico solidário, os caminhos difíceis ficarão mais fáceis.

Se continuarmos aprisionados em batalhas de propaganda que são caricaturas da realidade, ofendem a inteligência e acicatam ódios e ressentimentos, só podemos com realismo esperar do futuro o pior.

1 comentário:

Antunes Ferreira disse...

LISBOA * PORTUGAL
ferreihenrique@gmail.com


Boas

Passei hoje por aqui para te dizer olá! E ver como vão as coisas. Pelo que vejo, felizmente bem. Repito: gosto deste blogue. Virei cá sempre que puder pois entendo que o mereces – e dá-me prazer.

Espero também que voltes ao meu Travessa do Ferreira (www.travessadoferreira.blogspot.com). Ficarei, podes ter a certeza, muito satisfeito.
Abs


Duas ORDENS...

1) Manda-me o teu IMEILE. O meu:
ferreihenrique@gmail.com

2) Compra o me(a)u livro «Morte na Picada»... São contos da guerra colonial em Angola (onde desgraçadamente estive, obrigado, claro) de 66/68.

Desculpa-me a «ligeireza», o desplante e a sem vergonha...