segunda-feira, 31 de outubro de 2022
A Cidade do Tempo - uma ressonância poética de Coimbra
quarta-feira, 31 de agosto de 2022
Regresso a BRECHT
Um dia, Brecht escreveu um
daqueles diamantes breves que rasgam a noite sem contemplações.
Escapei aos
tubarões
Abati os tigres
Fui devorado
Pelos percevejos.
Marta Temido conquistou legitimidade para o fazer seu.
quarta-feira, 15 de junho de 2022
DEMOCRACIA ─ E DA BOA!
DEMOCRACIA ─ E DA BOA!
A direita, revelando um apurado bom senso e um profundo
sentido de justiça, insiste generosamente na perfumada sinfonia da reforma
eleitoral.
Engrossando o coro com energia, levantam-se das suas
sepulturas políticas, onde a história displicentemente os colocou, alguns dos
seus mais clássicos expoentes. O próprio Oráculo de Boliqueime , ágil e
enciclopédico, disse de sua justiça com
a grave sabedoria do costume. Há mesmo um balbuciar vago, tímido e alegadamente
científico oriundo da esquerda baixa que dá algum aconchego ao transcendente
desígnio da direita.
Círculos uninominais, apagamento da diversidade de
representação política pela redução da proporcionalidade ─ enfim, qualquer
coisa que possa dispensar a direita e os seus acólitos de conquistarem lugares
electivos sem precisarem de ganhar mais votos. Dar a palavra ao povo, sim
senhor. Mas nada de exageros. Não lhe deixar nunca espaço para poder fintar a
direita em momentos cruciais. Enfim, democracia de fino recorte.
Mas estando volátil o xadrez político, o desígnio guloso e
esperto da direita para a reforma eleitoral, pode tornar-se num verdadeiro “hara-kiri”.
Por isso, certo, certo e do seu interesse “nacional” é obedecer a dois grandes
princípios estruturantes.
1º- o total dos votos no PS será corrigido, amputando-lhe 33%;
2º -qualquer maioria parlamentar de esquerda (PS sozinho ou
acompanhado) terá que ser previamente autorizada pelo actual Presidente da
República, após parecer favorável do Oráculo acima referido.
Quando tal for alcançado, as sereias da democracia sem peias
dar-nos-ão a melodia dos seus cânticos…
quarta-feira, 8 de junho de 2022
Pesadão e Silva falou.
Pesadão
e Silva falou.
Pesadão e Silva falou.
Como irmão mais velho reduziu Rio a um esquálido ribeiro que
censurou sem fraternidade pela irremediável secura.
Decretou teocraticamente a caducidade da repartição entre a esquerda e a direita,
mas inventou-se firmemente como o mais esotérico social democrata.
Glosou a vulgata crescimentista neoliberal com a
transparência do simplismo economicista. Pavoneou-se com a sua alegada vocação reformista, ruminando
os mais sagrados tiques ideológicos da
direita mais classicamente inequívoca.
Massacrou ferozmente o PS, fornecendo o roteiro da sua
oposição. Esmagou olimpicamente António Costa com o peso imenso da sua
grandeza. O povo de esquerda exultou:” Se Pesadão e Silva nos ataca é sinal de
que estamos no bom caminho-”
Antóno Costa limitou-se a fintá-lo. E a sorrir…
Num rasgo de última instância, o Prof. Silva ignorou
corajosamente os trinca-fortes da saudade, varrendo-os para debaixo do tapete.
Só então a corte respirou de alívio e descansou:” afinal
existimos! Uf!”
sábado, 21 de maio de 2022
SERENATA
SERENATA
Que lágrima triste subiu no vento,
deixando a saudade a perder-se nele?
Que garra de angústia se rasgou no peito
perdida na dor dos versos cansados,
esquecida da audácia das grandes montanhas?
Os lábios longínquos das guitarras tristes
não dizem os sonhos das ruas mais largas,
não trazem os cheiro das histórias sofridas,
não esquecem o medo dos anos de abismo.
Podiam abrir as ruas mais lentas,
subi-las num rasgo, emoção e prazer,
ser
campos abertos de sonho e amor,
esculpida em memória a dor do futuro.
Mas descem os dedos das harpas mais tristes
perdendo os silêncios das velhas saudades,
e escavam a angústia das harpas mais tristes
fugindo da audácia que colhe o amor.
Respira-se a sombra dos tempos que faltam,
arranca-se o gume crispado nos versos
e sobe-se o voo de todas as águias,
mais longe, mais longe, mais longe.
É esta a serenata dos peitos abertos,
das cordas que rasgam o som das guitarras
e olhando através de todos os mares,
Coimbra cansada de não se cansar.
[Rui Namorado]
segunda-feira, 16 de maio de 2022
PRÉ-HISTÓRIA DE GUERRA
Em Fevereiro de 1996, quando eu era deputado na AR
pelo PS, publiquei um livro de poemas , “Sete Caminhos”, através da editora Fora do Texto [Centelha].
O livro estava organizado em sete partes, uma das
quais a penúltima se intitulava “Pré-história”.
Era composta por quatro poemas, um dos quais “Pré-história de guerra”
evocava o risco de uma guerra nuclear- O título sugeria que estávamos perante
um risco que perdera actualidade.
Hoje, passados todos estes anos, vemos que assim não
é. Por essa razão resolvi recordá-lo aqui.
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PRÉ-HISTÓRIA
DE GUERRA
1.
a pomba foi morta pelo general
calculou
o sítio exacto
o lugar único
onde a morte esperava
no
relatório omitiu a cor branca da vítima
e aquela leve pluma de ternura
visível no seu olhar depois de morta
parecia mais pena do que saudade ou terror
mais um enorme peso de braços caídos
do que o gelo transido do pânico
o general descreveu com precisão
a trajectória magnífica do tiro
o seu rigor
a rapidez fatal
com palavras antigas sincopadas
ao ritmo dos tambores de mil batalhas
2.
quando pouco tempo depois lhe disseram
que o neto
o filho a sua velha mãe
a mulher cujo sabor guardava dia a dia
a casa com jardim e duas árvores
a rua suave
a cidade onde nascera
eram agora uma nuvem espessa de cinza
onde a custo emergia o esqueleto de uma árvore
sozinha
o general suspendeu o relatório
e teve um suor frio vindo da raiz da alma
mas quando lhe vieram dizer pouco depois
que era inútil mandar o relatório
porque o lugar que o ia receber não existia
o general chorou como um menino perdido
e foi
então que o sol se perdeu numa nuvem de poeira
e um doce sabor a morte azul e profundo
entrou pelo general até aos ossos
3.
a mão do general ficou ligeiramente tombada
sobre a folha do relatório vitorioso
ocultou um pouco a trajectória da bala
a palavra pomba parecia agora levemente manchada
e junto à porta o olhar fixo do jovem ajudante
era um vidro de espanto gravado no general
tudo à volta estava finalmente tranquilo
a paz fulminantemente conquistada
sábado, 14 de maio de 2022
PARA QUEM QUISER APRENDER...
Para quem quiser aprender...
quarta-feira, 4 de maio de 2022
DOS SOCIALISTAS EM FRANÇA.
DOS SOCIALISTAS
EM FRANÇA.
Uma resistência à
entrada do Partido Socialista Francês na grande coligação de esquerda liderada
pela França Insubmissa ecoa lugubremente na comunicação social francesa.
É especialmente protagonizada por alguns dos seus notáveis de
má memória. De facto. alguns dos coveiros mais ostensivos do socialismo francês
parecem não querer admitir qualquer tentativa séria para o desenterrar. Uns,
como Manuel Valls, assumem e aprofundam sem rebuço uma deriva de traição que
iniciaram há anos juntando-se à estéril
nebulosa “macroniana”. Outros erguem-se penosamente da sepultura política em
que caíram e procuram evitar com desespero que o PSF retome um protagonismo
político relevante. Não se percebe se resistem a sair do buraco em que Anne
Hidalgo os meteu nas recentes eleições presidenciais ou se sonham nunca lá terem caído.
Quase miraculosamente
o que resta do Partido, como um quadrado de raiva, parece querer resistir. No
horizonte, cresce a probabilidade da sua adesão a uma União Popular Social e Ecológica
que congregue toda a esquerda francesa.
Registe-se,
entretanto, a posição assumida no twitter pelo candidato do PS às eleições de 2017, Benoit Hamon:
“Afastei-me da vida política
nacional mas , a título pessoal, neste
dia de aniversário da vitória da Frente Popular, afirmo que a aliança em torno da União popular
é uma excelente notícia”.
Haverá esperança ?
segunda-feira, 25 de abril de 2022
Homenagem ao 25 de Abril
Capitães
de Abril
[1974/2022]
Capitães de um futuro incendiado
esculpiram num só dia o coração
das largas avenidas que hão de vir
O povo semeou-se pelas ruas
gritando em vermelho um cravo imenso
com asas que voaram pensamento
Em todo o horizonte ficou escrito
um sonho que perdeu o seu limite
já pétala de luz deslumbramento
Capitães inventados em Abril
o povo atravessou-os como um rio
com a paixão mais justa e vertical
[Rui Namorado – 25 de Abril de 2022]
segunda-feira, 18 de abril de 2022
Ganhámos a taça!
Em 2012, no dia em que a Académica ganhou a Taça pela segunda vez, escrevi o poema que abaixo reproduzo.
Difundi-o então no meu blog O Grande Zoo. No final de 2021, publiquei na Editora Lápis de Memórias, o meu livro de poemas mais recente. "A cidade do Tempo" é uma ressonância poética de Coimbra. Nele incluí o poema que hoje transcrevo.
Hoje, que a Académica atravessa uma grande tempestade de infortúnio é indispensável uma verdadeira respiração do futuro. Com verdadeira grandeza; com imaginação e ousadia.
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-em 2012
O jogo começou
há longos anos,
quando
ganhámos a primeira vez.
Em maio de mil
novecentos e sessenta e nove,
julgou-se
que tínhamos perdido.
Cinco anos
depois viu-se que não,
porque somos
de um outro campeonato.
Foi talvez,
por isso, que ganhámos
neste ano já
de um outro século,
como se tudo
tivesse começado.
E, no entanto,
o jogo continua.
Há sempre um
novo jogo a começar:
entram em
campo todas as memórias.
Mas também a
saudade e a alegria.
As capas são
os ventos que não param.
Os ventos que
são anos e são vida.
Há golos para
todas as balizas.
O Bentes virá
sempre pela esquerda.
No último
minuto, o Artur Jorge
Há de marcar o
golo de uma vida.
Ia ser golo já
sem remissão,
mas o Capela
voou mais que o possível
e a bola não
entrou.
E hoje, quando
a festa começou,
já o leão
rugia rudemente;
a bola
insidiosa veio da esquerda,
procurou a
cabeça do Marinho
e o golpe foi
desferido e foi mortal. .
Vamos entrar
em campo novamente,
sabendo que a
Briosa a entrar em campo,
é sempre muito
mais do que ali está.
Cada golo é
sempre mais que um golo:
milhares em
todo o mundo vão marcá-lo.
Cada vitória é
mais que uma vitória:
milhares em
todo o mundo vão erguer-se,
num gesto de
alegria.
E quando os
onze perdem nunca perdem,
porque a
Académica ganha moralmente.
E se, apesar
de tudo, ainda perderem,
os onze sempre
sabem que jamais
irão perder
sozinhos.
O sonho estará
sempre ao lado deles
e há sempre um
outro jogo para ganhar.
Ganhámos esta
taça.
Na praça da
saudade estão connosco
os que
partiram antes de a ganhar.
Vai haver nas
ruas de Coimbra
um fraterno Mondego
de pessoas,
um clamor de
alegrias.
E se nas
largas ruas da vitória
se abrir
alguma porta de silêncio,
não estranhem,
são aqueles
que partiram,
fazendo
recordar a sua ausência.
O que hoje
entrou em campo foi a lenda
e o mito de
uma eterna juventude.
Briosa é nome
de uma caravela,
mas o vento
que a leva só é vento
de quem saiba
sonhar sem desistir.
Por isso, se
percebe com clareza
que nós somos
de um outro campeonato.
domingo, 17 de abril de 2022
LOUVOR AO 17 DE ABRIL
[1969/2022]
A pérola do tempo descansou
na guitarra longínq1ua
da saudade,
deixando que um só dia incendiasse
o sagrado sabor da liberdade.
Nas mãos nuas dos versos desarmados
que colhem a chegada da alegria,
foi gravada a lenda deste dia
respirou-se no vento a tempestade.
Um gume de revolta atravessou
o perfume da nossa primavera
e a verdade ficou no meio de nós,
colhendo-se inteira até ao fim.
Capas negras dos sonhos acordados
foram sangue no próprio coração,
dizendo-nos por dentro de quem somos
com as palavras livres e despertas.
Caminhámos por todos os lugares,
navegando sempre além do fim,
fomos cidade,
amor e sedução,
voz súbita de todos os poetas.
Quando os corvos do medo nos cercaram
não colhemos a flor do desespero,
erguemo-nos na nossa condição
e lutámos
[ 17 de Abril de 2022]