domingo, 28 de julho de 2019
As pétalas do tempo
Em Braga, na Universidade do Minho, em abril passado, o Alberto Martins, o Celso Cruzeiro e eu, participamos numa conversa sobre a crise universitária de Coimbra de 1969. Uma conversa sobre o futuro.
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quarta-feira, 24 de julho de 2019
Deslize ou sinal ?
Numa estação televisiva, o advogado sindicalista dos motoristas de matérias perigosas desferiu ontem um inusitado ataque ao Governo, ao arrepio do tom cordato de relacionamento que tem predominado nas relações entre o Governo e os parceiros socais envolvidos.Terá isso sido apenas um deslize circunstancial ou será afinal um sintoma e um sinal ?
É cedo para o sabermos sem margem para dúvidas. Mas é legítimo que nos interroguemos, perante o que ouvimos e tendo em conta o modo como toda esta luta surgiu, se desenvolveu e foi preparada, sobre se ela é apenas corolário objetivo de reivindicações e aspirações dos motoristas envolvidos acicatadas pela conjuntura. Não será também um aproveitamento desse descontentamento, para visar objetivos políticos gerais bem definidos e cuidadosamente ocultados?
Objetivos que, diga-se desde já, a existirem nada têm de democrático, objetivos que a existirem em última instância e a longo prazo seriam também contrários ao interesse dos próprios trabalhadores envolvidos.
Como acima disse, a diatribe anti-governamental do advogado sindicalista não é suficiente para se poder ter como certo esse desvirtuamento da luta. No entanto, não deixa de nos alertar para a possibilidade de haver uma agenda política oculta que transcende as razões da greve publicitadas.
Os acontecimentos futuros vão certamente mostrar até que ponto se justifica esta desconfiança.
Como acima disse, a diatribe anti-governamental do advogado sindicalista não é suficiente para se poder ter como certo esse desvirtuamento da luta. No entanto, não deixa de nos alertar para a possibilidade de haver uma agenda política oculta que transcende as razões da greve publicitadas.
Os acontecimentos futuros vão certamente mostrar até que ponto se justifica esta desconfiança.
sexta-feira, 19 de julho de 2019
EUROPEEMOS
Europeemos.
Políticos, euro -filósofos, bruxelo -jornalistas, pensadores mais ou menos graves, mais ou menos ligeiros, chegaram aos magotes. E encheram o espaço mediático de tudo aquilo que se esperava que dissessem sobre a eleição de Úrsula para timoneira do perturbado barco europeu.
Embrulharam-se em esotéricas elucubrações sobre o jogo de xadrez político ente conservadores, liberais e socialistas democráticos, tendo sabiamente concluído que ninguém sofreu xeque-mate. Aos outros grupos, verdes incluídos ainda circunspectamente, foi deixado o irrequieto papel de chamarem nomes aos árbitros, se é que os houve, e de cometerem uma ou oura pedrada civilizada contra os participantes no jogo.
Úrsula escapou à guilhotina por uns modestos nove votos. Com que alegria passou a mão pelo pescoço! A tropa fandanga que assola a comunicação social continuou fiel às melodias instituídas. Pelo seu lado, desamparada, a sombra do que de facto se passou vai mirrando em desespero .
Mas num último assomo não resistiu e disse-me:
“ Quem salvou o lindo pescoço de Úrsula da guilhotina foram os catorze votos a seu favor dos alucinados populistas italianos do Movimento 5 Estrelas”.
Respondi-lhe: "de facto, sem os votos dos sócios maioritários do atual governo italiano, no qual pontifica o infrequentável Salvini, Dona Úrsula tinha ido à vida. Ou seja, como se vê, está sólida a Europa…"
quinta-feira, 18 de julho de 2019
AS LISTAS DO PS ─ um drama virtuoso?
AS LISTAS DO PS ─ um drama virtuoso?
1.
Estamos em pleno drama da constituição das listas de deputados no PS. O
desenlace será certamente aplaudido, seja com o vigor do entusiasmo incontido,
seja com o choque ligeiro das mãos desanimadas
Quem valorize a memória
de dramas anteriores, uns mais intensos outros mais ligeiros, calculará por certo
que dificilmente se atingirá no panorama geral um nível de desastre, sendo
certo, no entanto, que é improvável que se justifique um clamor de júbilo. Que
fiquemos mais perto do júbilo do que do desastre é o discreto desejo dos
socialistas. E o que é válido para o conjunto das listas ocorre também naturalmente
com cada uma delas, preocupando-se decerto cada um de nós, em especial, com a da sua federação.
Afastado das instâncias
onde mais sistematicamente se tece o destino, desconheço se já há
verdadeiramente esboços criveis de futuras listas, se há e com que
protagonistas competições ferozes. Tenho-me é certo apercebido, como cidadão
atento, do esvoaçar de alguns nomes pelo espaço público. Uns parecem
vocacionados para nos fazer sonhar, outros quase nos assustam. Entre o sonho de
sonharmos e o risco de nos assustarmos, esperamos. Sendo certo, deve dizer-se,
que provavelmente aquilo que faz uns sonhar assusta outros. Este dilema não
pode evitar-se, mas há um caminho para lhe retirar dramatismo, a democracia.
É um caminho que, em
tonalidades diversas, muitos têm vindo a propor há muitos anos. Já houve mesmo
algumas experiências auspiciosas. Não há tempo na conjuntura atual para o
percorrer desta vez. Mas sendo inviável percorrer-se o melhor caminho, não fica
legitimado a indiferença quanto à qualidade da via que for escolhida. A impossibilidade
circunstancial da perfeição não pode abrir a porta à banalidade da imperfeição.
2.
E uma das imperfeições que não deve aceitar-se é a de não se respeitarem as
regras que forem fixadas. Vale a pena, por isso, revisitar os critérios
instituídos para a escolha dos candidatos a deputados pelo PS.
2.1. Nos termos do
nº 5 do art.º 67 dos Estatutos do PS
: “A
Comissão Política Nacional, sob proposta do Secretário-Geral, tem o direito de
designar candidatos para as listas de Deputados à Assembleia da República,
tendo em conta a respetiva dimensão, indicando o seu lugar de ordem, num número
global nunca superior a 30% do número total de deputados eleitos na última
eleição em cada círculo eleitoral.” Ou seja, no caso de Coimbra, tendo o PS
eleito 4 deputados, a CPN pode indicar um candidato que deverá ser o cabeça de
lista, em virtude dos critérios recentemente explicitados na CN. A escolha de
todos os outros candidatos é da competência da Comissão Política da Federação
Distrital.
No entanto, esta
competência não é livre, já que o número imediato do mesmo artigo diz: “Sem prejuízo do disposto nos números
anteriores, os processos de designação dos candidatos a titulares de cargos
políticos ocorrem de acordo com os critérios e as metodologias estabelecidos em
orientação aprovada pela Comissão Nacional.”
Pelo que a Comissão de Federação faz as
suas escolhas, de acordo com um juízo político que é seu, mas tem de respeitar
os critérios globais, previamente
instituídos pela Comissão Nacional. Se o não fizer, fica sob a alçada do
disposto no número seguinte:” Quando a
Comissão Política Nacional considerar que uma lista de candidatos a Deputados à
Assembleia da República, aprovada em Comissão Política da Federação, não cumpre
os critérios e/ou as metodologias estabelecidos no número anterior, pode, por
maioria dos membros em efetividade de funções, avocar a deliberação relativa à
composição da lista.”
2.2. Situado num
plano hierárquico inferior, há também que considerar o “Regulamento
eleitoral interno e de designação de candidatos a cargos de representação
política”. Ele confirma, como não poderia deixar de ser, o disposto nos Estatutos,
mas especifica o modo de o concretizar. Eis o que dispõe o seu Art.º 17 sobre a “designação
dos candidatos a Deputados à Assembleia da República”:
1. Compete à Comissão Política da Federação de cada
círculo eleitoral aprovar a constituição da lista de candidatos a deputados à
Assembleia da República.
2. O procedimento de designação da lista de candidatos,
sujeito sempre à observância dos critérios objetivos formulados pela Comissão
Política Nacional, é feito nos seguintes termos:
1. Apresentação prévia de candidaturas, fundamentadas e
individuais, ao Secretariado da Federação, devendo este dar conhecimento destas
candidaturas à Comissão Política da Federação;
2. Apresentação de lista para votação em reunião da
Comissão Política da Federação, sob proposta do Secretariado da Federação;
3. Decorridos 5 dias após a votação referida na alínea
anterior ou esta se converte em definitiva ou há lugar a nova deliberação se,
nesse prazo, for proposta uma lista alternativa, cuja propositura seja
subscrita cumulativamente por 10% dos militantes da Federação com capacidade
eleitoral, um terço dos membros da Comissão Política da Federação e com
observância dos critérios objectivos formulados pela Comissão Política
Nacional;
4. No caso previsto no final da alínea anterior as listas
são colocadas à votação de todos os militantes com capacidade eleitoral
inscritos na respectiva Federação.
3. A Comissão Política Nacional, sob proposta do
Secretário-Geral, tem o direito de designar candidatos para as listas de
deputados, tendo em conta a respectiva dimensão, indicando o seu lugar de
ordem.”
Como se vê o Regulamento consolida o disposto nos Estatutos, acrescentando-lhe apenas um
pequeno roteiro procedimental e regulando a hipótese de vir a surgir mais do
que uma proposta de lista. Nada traz de novo relativamente à repartição de
competências entre os órgãos nacionais e federativos.
2.3. Por último, percorramos os “Critérios para a
escolha de candidatos a deputados nas próximas eleições legislativas”, aprovados na Comissão
Nacional, sob proposta da Secretária-Geral Adjunta do PS, Ana Catarina Mendes.
De acordo com o testemunho de camaradas que participaram nessa CN, os
critérios aí aprovados sublinharam o conteúdo de algumas disposições
estatutárias e deram relevo a algumas recomendações específicas.
Foi assim explicitada a competência da
CPN para, sob proposta do Secretário-Geral, escolher até 30% dos candidatos
que, no respetivo círculo, tenham sido eleitos nas eleições legislativas
anteriores. No âmbito dessa competência, é reservada ao SG a faculdade de
designar os cabeças de lista. As regiões autónomas estão excluídas destas
regras.
Em cumprimento da lei, impõe-se que, no
ordenamento dos candidatos, não possam suceder-se três do mesmo sexo.
Estatui-se também que as listas devem envolver necessariamente uma
representação diversificada da sociedade portuguesa, com destaque quer para o
plano profissional, quer para o geracional. É imperativo ouvir-se a propósito
das listas quer a Juventude Socialista, quer as Mulheres Socialistas.
Na escolha dos candidatos valoriza-se a
representatividade territorial. Essa valorização é calibrada com base no peso
relativo dos espaços que integram cada círculo eleitoral, em cuja determinação tem
especial importância a distribuição do peso eleitoral do PS. Na escolha em
causa, valorizam-se naturalmente as exigências da ação política, no âmbito da
qual se dá relevo ao contributo esperado de cada um para a coesão da candidatura, bem como para a difusão e
para o cumprimento do programa eleitoral e de Governo do PS.
Por fim, foram tidos em conta
autonomamente dois tópicos. Por um lado, enunciaram-se os aspetos da atividade
dos deputados cessantes que devem ser tidos em conta para a eventual decisão de
os recandidatar. Por outro lado, foi expressamente mencionada a subscrição de
um compromisso ético a que todos os candidatos estão obrigados.
Foram estes os critérios realmente
aprovados na CN, sendo por isso os únicos em vigor. Não cabe no espírito deste
texto avaliá-los criticamente, avaliar a sua completude, a sua clareza, o seu
acerto. É a eles, bem como evidentemente aos Estatutos e ao Regulamento
Eleitoral, que têm que obedecer as Comissões Políticas Distritais no exercício
das suas competências nesta matéria; o mesmo acontece com o Secretário-Geral e
com a Comissão Política Nacional. Todos dispõem dos poderes que expressamente
lhes são conferidos, ninguém dispõe de poderes livres que possa exercer
arbitrariamente.
3.A constituição de uma lista de
candidatos a deputados é um processo complexo, cujos resultados podem ser
avaliados por diversos prismas. Embora nem todos tenham a mesma importância, nenhum
pode ser desvalorizado por completo. A lista tem que ser eleitoralmente
competitiva, sendo neste plano naturalmente relevante a qualidade e o impacto
do cabeça de lista. Será desejável que essa competitividade se radique principalmente
no prestígio cívico, político, intelectual e profissional dos candidatos.
Na
verdade, para além do desejado efeito imediato, desse modo os deputados que
vierem a ser eleitos serão, durante o mandato, uma provável fonte permanente de
prestígio para a Federação em particular e para o Partido em geral. Por outro
lado, tenderão a potenciar a qualidade do exercício da sua função de deputados,
valorizando o trabalho parlamentar no seu todo e robustecendo a importância política
da Federação a que pertençam. Se tiverem um protagonismo parlamentar forte e
exercerem um mandato em ligação permanente com sua Federação poderão ser um
importante recurso político no enraizamento social e político do Partido e no
seu reforço no distrito e no país.
Ou seja, muito simplesmente, uma boa
lista de candidatos será sempre algo de bom e de estimulante, pelo que não é
aceitável que prevaleçam jogos de pequenos sonhos e longas carreiras, paroquialismos
de grupo, sobrancerias lisboetas. É claro, que a capacidade de trabalho e de
reflexão políticos, a militância persistente e responsável, a disponibilidade
para o trabalho político quotidiano, não podem ser desconsideradas. Mas o que
está aqui em causa deve ser muito mais do que um jogo de ambições individuais,
ainda que compreensíveis e legítimas. O
que está aqui em causa é o imperativo de contribuirmos realmente como Partido
para caminharmos para uma sociedade mais
justa e mais livre. Nesse combate evidentemente que os deputados não são tudo,
mas vão ocupar uma instância muito importante que em certos casos pode ser
decisiva.
sexta-feira, 12 de julho de 2019
A relação de forças resultante das eleições legislativas na Grécia
A
relação de forças resultante das eleições legislativas na Grécia
1.
Vale a pena revisitar-se o resultado das recentes eleições legislativas
ocorridas na Grécia, para se chegar a uma ideia precisa do modo como o conjunto
dos eleitores realmente se pronunciou. O alarido dos grandes títulos e a vozearia
televisiva, tendo dito alguma coisa, não disseram tudo.
Sem dúvida que o resultado dessas eleições foi uma vitória
nítida da direita clássica, a Nova Democracia, traduzida numa maioria absoluta
de 158 deputados num parlamento de 300. Recordemos, no entanto, que o sistema
grego de distribuição de mandatos implica um bónus de 50 lugares para o partido
mais votado. Nas eleições anteriores o Syriza fora o partido beneficiado. Desta
vez, a vantagem coube à Nova Democracia. Pode discutir-se a bondade do sistema,
mas não é questionável a legitimidade do poder assim atribuído ao partido agora
vencedor, como o não foi a do Syriza, quando beneficiou de um bónus semelhante.
Isso não impede que se valorize o significado político
do apoio social realmente conseguido por cada partido, tendo em conta os votos
obtidos e os deputados conquistados, antes da atribuição do bónus. O número total
de lugares atribuídos aos partidos foi assim de 250. Só têm deputados os
partidos que tenham pelo menos 3% dos votos. Isso ocorreu com 7 partidos. Os
39,6% da Nova Democracia outorgam-lhe 108 deputados ; o novo partido de
extrema-direita Solução Grega com 3,8% chegou aos 10 deputados. Os 31,6 % do
Syriza deram-lhe 86 deputados; o Kinal (
que integra o antigo PASOK) com 8% teve 22 deputados; o Partido Comunista Grego
com 5,4 % teve 15 deputados; e a Diem 25 ( de Varoufakis) com 3,5% chegou aos 9
deputados. Ou seja, a ND mais a extrema-direita
chegaram aos 43,4%, a que corresponderam 118 deputados, enquanto as
várias esquerdas que elegeram deputados atingiram 48,5% dos votos a que
corresponderam 132. A Nova Direita teve 2.251 411 votos; um novo partido de
extrema -direita chegou aos 208. 805; os quatro partidos de esquerda somados
atingiram 2.732.517 votos ( dos quais 1 781 174 votos no Syriza). Esta é a
relação de forças real, antes do bónus dos 50 deputados.
Ou seja, os votos realmente entrados nas urnas
traduziram uma preferência pelo conjunto das esquerdas , mas o sistema
eleitoral grego transformou essa preferência numa vitória estrondosa de um dos
partidos da direita. A legitimidade jurídico-política do novo governo é
inquestionável, mas não anula o facto de haver uma maioria de eleitores que lhe
é adversa.
2.
O significado político destes resultados ficará mais nítido se os compararmos
com os de 2015. Neste ano houve na Grécia duas eleições legislativas, umas em janeiro, outras em setembro. Nas primeiras, o Syriza foi, pela primeira vez, o
partido mais votado. Tendo assim direito ao bónus de 50 deputados, atingiu os
149 mandatos o que o deixou a dois lugares da maioria absoluta. Aliou-se com um
pequeno partido nacionalistas de direita (Gregos Independentes), tendo a
coligação passado a ter a necessária maioria absoluta.
Divergências ocorridas no seio do Syriza, fizeram
com que A. Tsipras se demitisse, provocando novas eleições, que tiveram lugar
em setembro de 2015. Em relação às eleições anteriores, o Syriza perdeu 0,8% ( menos 4 deputados ). Os Gregos Independentes foram
mais penalizados, mas ficaram com lugares suficientes para que, somando-os aos
145 deputados do Syriza, a maioria parlamentar favorável ao governo se
mantivesse, até às recentes eleições.
Se comparamos os resultados das duas eleições de
2015 entre si e com os de 2019, podemos verificar que, entre janeiro e setembro
de 2015, o Syriza, mesmo tendo perdido apenas 4 deputados, viu fugirem-lhe
321.160 eleitores, dos quais 155.242 terão provavelmente transitado para uma
cisão de esquerda que então sofreu , a da Unidade Popular, a qual no entanto não elegeu
deputados. Já relativamente aos resultados de setembro de 2015, pode ver-se que
nestes quatro anos o Syriza perdeu 9 deputados (sem contarmos com o bónus dos
50 lugares que antes teve, mas agora não), o que correspondeu a uma perda de
3,9 %, traduzida em 143.730 eleitores. Foi uma derrota, mas não foi um
desmoronamento, devendo lembrar-se a pressão enorme que a Grécia sofreu durante
esse período, suscitando grandes sacrifícios para o povo grego e causando
naturalmente um forte desgaste, tal como teria ocorrido com qualquer governo que estivesse me funções.
Pode também recordar-se que o Syriza teve, em 2009,
4,6% dos votos; em 2012, houve eleições em maio e em julho, tendo o Syriza
atingido 16.8% na primeira e 26,9 % no mês seguinte. Foi em 2012, que pela
primeira vez o Syriza ficou á frente do PASOK, tendo em ambos os casos ficado relativamente
perto do partido mais votado , a Nova Democracia. Este historial permite
avaliar melhor a dimensão da derrota sofrida pelo Syriza nas recentes eleições.
Na verdade, a vitória da Nova Democracia foi mais o
resultado da sua capacidade para absorver o eleitorado da direita e do centro
do que o reflexo de um esvaziamento do Syriza. A Nova Direita subiu nestes
quatro anos 11%, o que correspondeu a 725.000 eleitores. Esse aumento refletiu
certamente também o desaparecimento de O Rio,
um partido moderado, e a queda abrupta da União Centrista, que em conjunto
representaram cerca de 300.000 eleitores. Na extrema-direita, os votos perdidos
pela Aurora Dourada (agora não elegeu deputados) quase correspondem à votação
que teve a Solução Grega, partido de direita radical que agora entrou no
parlamento grego.
3.Deslumbrada
com o doce sabor de um castigo ao Syriza e de uma correspondente recompensa a
uma direita com perfume “harvardiano”, a
matilha mediática internacional noticiou o resultado eleitoral em causa como um
esmagador triunfo dos virtuosos e como o desmoronamento irrecuperável dos irrealistas. Como mostrei, este modo de apresentar o ocorrido
não é uma informação esclarecedora e objetiva sobre o que realmente aconteceu, mais
se aproximando de uma deturpação.
Na verdade, como ficou claro a direita só tem
maioria absoluta por causa do bónus
inerente ao prémio dado ao partido mais votado, mas mesmo que se lhe juntem os
votos dados à extrema-direita, quanto ao efetivo apoio eleitoral fica bem atrás do conjunto das esquerdas. O Syriza
perdeu votos mas conservou no essencial a sua base de apoio, ficando bem acima
do seu melhor resultado de 2012. E tudo isso conta na relação de forças que
emergiu do ato eleitoral em questão.
terça-feira, 2 de julho de 2019
O estranho fantasma da maioria absoluta
O
estranho fantasma da maioria absoluta
O simplismo
jornalístico tecido pelo predomínio dos comentários rápidos, desde há décadas
que impregnou a esfera mediática em Portugal com a ideia de que o facto de um partido
político pedir uma maioria absoluta numa eleição tinha um
significado político substancial. Ou seja, a ideia de que pedir a cada eleitor
a maioria absoluta ia condicionar significativamente o seu voto num sentido que
fosse favorável ao suplicante.
Se a cada eleitor fosse
dada a possibilidade de exprimir a sua opinião sobre a bondade de uma maioria
absoluta (hipótese aliás impensável, sendo claro que cada eleitor pode achar
bem ou mal que o partido em que vota tenha maioria absoluta, mas seguramente
que não achará bem que um partido em que não vota possa dispor dela),
compreendia-se que as candidaturas pugnassem ou não pela sua obtenção. Mas como
a cada eleitor é apenas dada a faculdade de manifestar a sua preferência por
uma candidatura específica, pedir-lhe uma maioria absoluta não faz sentido. Na
verdade, não sabendo cada um de nós a opção dos outros, o nosso voto não poder
ser condicionado racionalmente pela nossa opinião sobre uma eventual maioria
absoluta deste ou aquele partido.
Nada disso impressiona,
no entanto, o trôpego pensamento dominante na esfera mediática. Pelo contrário,
o fantasma da maioria absoluta transformou-se numa categoria política, usada
para temperar os impulsos analíticos de muitos comentadores encartados e, pasme-se,
dos próprios porta-vozes formais ou informais de partidos políticos.
Todavia, como a cada
suspeito de aspirar à gulodice suprema de uma maioria absoluta é concedida a
prudência de a não pedir expressamente, foi emergindo da neblina em causa a
desconfiança de que mesmo não sendo pedida ela era afinal claramente sugerida
pelos suspeitos. Um sublinhado mais expressivo, um adjetivo mais forte, um
sorriso mais matreiro, uma cominação mais enérgica, passaram a ser suficientes
para se imputar com segurança a um acusado,
não só o sonho secreto de uma maioria absoluta, mas também a insidiosa
ousadia de a sugerir aos eleitores alegadamente desprevenidos. E a discussão da
substância das propostas e da agilidade dos protagonistas passou a ser
polvilhada com intensidade crescente por um denso filosofar sobre as maiorias
absolutas que ora nos acena com previsões luminosas, ora nos mostra pesadelos
noturnos. Os mais piedosos chegam mesmo a recorrer ao supremo argumento da
ética, ainda que muitas vezes torcida pela insidiosa força das conveniências
próprias.
Hoje, reduzido a pó,
pela força das cosias, o imprudente desígnio da Dr.ª Cristas de ocupar a
cadeira do poder pela força irresistível de uma alegada onda de eleitores
distraídos, resta a desconfiança que impende sobre o PS de ruminar no segredo
dos seus corredores mais remotos o sonho de uma maioria absoluta. Os filósofos
da intriga política, os garnisés circunspectos que cercam o PS, os tenores mais
tonitruantes das várias partituras partidárias, analisam meticulosamente o
dia-a-dia do PS. Ora mostram como essa maioria absoluta é um sonho impossível,
ora denunciam a sua sombra oculta nesta ou naquela medida, nesta ou naquela
posição, ora qualificam desde já como derrota uma hipotética vitória do PS que
a não alcance.
E, no entanto, essa
confusão virtual pode desfazer-se num segundo. Basta que qualquer de nós
aplique sem excesso um pouco da sua racionalidade, para que fique claro que
este tema, tal como é apresentado, não existe.
De facto, o que é real
é que cada partido procure ter o mais vasto apoio eleitoral possível. Não é
mesmo concebível que isso não aconteça. Essa ambição é naturalmente calibrada
pelos resultados anteriores e pelos estudos de opinião. Não é impossível, mas não é provável, que um
Partido que ronde habitualmente os dez por cento ou mesmo os vinte por cento
chegue à maioria absoluta. É mais provável, ainda que naturalmente difícil, que
um Partido que se situe frequentemente
acima dos trinta por cento , possa chegar á maioria absoluta. Na atual
conjuntura, só ao PS parece possível chegar a esse patamar , ainda que mesmo
quanto a ele isso se mostre difícil e até improvável.
Atingir-se essa
maioria, no entanto, não vai depender do facto de a pedir ou não pedir, ou da
opinião que os eleitores tenham quanto a uma maioria absoluta. Depende da soma
das decisões dos eleitores de votarem no PS pela identificação que tenham com a
sua política ou pela concordância que lhe mereça a sua governação.
E atingir esse objetivo
depende mais da capacidade de o PS suscitar uma identificação mais sólida com a
base social que potencialmente tem um interesse objetivo numa política de
igualdade e de justiça, ou seja, com os
setores populares que nele se reconhecem
ou podem reconhecer, do que de eventuais
narizes de cera retóricos, aparentemente habilidosos, que possam espalhar-se
pelo espaço mediático.
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