O texto que se segue reproduz uma intervenção feita por mim, na Cerimónia
Pública Solene de entrega, nas suas várias modalidades, do Prémio Cooperação e
Solidariedade António Sérgio 2107, que decorreu em Coimbra, no Convento São
Francisco, em 22 de janeiro de 2018.
Esta cerimónia
ilustra bem a amplitude e a riqueza da economia social. Documenta o processo de
autoconstrução de uma identidade que congrega um vasto leque de organizações e
movimentos de tradições diversas, todas profundamente enraizadas na sociedade
portuguesa e apostadas em contribuir para um futuro que realize as melhores
esperanças.
A
decisão tomada, em Novembro passado, no 1º Congresso Nacional da Economia
Social de constituir a Confederação da Economia Social Portuguesa, coroou um
virtuoso processo de convergência, abrindo as portas a um novo protagonismo
coletivo apontado ao futuro.
Esta
dinâmica sociopolítica, geradora do novo rosto da economia social, não está
isolada, nem no plano europeu, nem no plano universal, mas tem particularidades
nacionais que não podem ser esquecidas ou menosprezadas; muito especialmente no
relacionamento com a União Europeia.
Nos
últimos anos a economia social tem reforçado muito a consciência de si própria,
ao mesmo tempo que tem aumentado a sua visibilidade social e mediática, embora
esta esteja ainda longe de espelhar a sua real importância.
Tem
também vindo a tornar-se mais evidente a sua indispensabilidade como fator de
equilíbrio e dinamização da sociedade, na medida em que esta queira
materializar mais liberdade, mais igualdade, mais justiça e mais democracia.
É
por isso natural que a economia social atraia novos protagonistas, novas
cumplicidades e novos apoios. Mas numa sociedade como a nossa, ainda sulcada
por tantas desigualdades e injustiças, é também de esperar que ela suscita a
hostilidade de muitos. Principalmente de quem é beneficiado por essas
desigualdades e as quer, por isso, perpetuar e agravar.
Os
comportamentos e as campanhas que a hostilizam são, por isso, quase sempre,
mais uma consequência dos seus êxitos do que dos seus defeitos e incompletudes.
Mas procurar mitigar os erros e preencher as incompletudes da economia social retira
força aos seus inimigos.
Nessa
medida, os protagonistas da economia social estão obrigados a aperfeiçoar-se
cada vez mais na prossecução dos seus objetivos, corrigindo erros e potenciando
virtudes, no respeito sem mácula pela sua identidade histórica e pela
fidelidade persistente à sua ambição humanista e emancipatória quanto ao futuro.
Para
isso, é indispensável robustecer um pensamento crítico da economia social sobre
si própria, radicado numa informação ampla e rigorosa, num conhecimento
refletido e numa ousada imaginação utópica.
Sejamos
exigentes para nós próprios, no cuidado em conhecermo-nos cada vez melhor.
Aprendamos a olhar a economia social e a sociedade no seu todo, com os nossos
próprios olhos, bem longe das distorções induzidas por interesses alheios e por
preconceitos arcaicos.
Mas
sejamos impiedosamente claros e diretos no combate à ignorância, à
superficialidade, ao simplismo irresponsável, quando incidam na economia social.
Quer provenham de esfinges ocas, quer de numerólogos sem bússola, quer de
tecnocratas unidimensionais.
Façamos
com que quem se arvore publicamente em especialista em economia social passe a
envergonhar-se de não ter ao menos uma pálida ideia daquilo sobre que está a
falar. Façamos com que a comunicação social passe a dar voz aos protagonistas
da economia social e menos acolhimento aos dislates que a estropiem, mesmo que tenham
a assinatura de nomes sonantes.
Desmascaremos
as campanhas de raízes dissimuladas que combatem a economia social, esquecendo
a sua contribuição para o bem-estar dos portugueses, ignorando o interesse
nacional e desprezando a herança de Abril. Campanhas quase sempre baseadas na
deturpação do que é a economia social e no desconhecimento quanto ao trabalho
que desenvolvem, dia após dia, as dezenas de milhares de entidades e os milhões
de cidadãos que dão vida à economia social.
Quando
os automatismos económico-sociais dominantes, movidos por uma lógica anti-humanista
oposta à economia social, tingem de negro os horizontes futuros, cabe aos
protagonistas desta última, assumindo uma autenticidade plena, aprofundar as
lógicas cooperativas, reciprocitárias e solidárias que os movem.
Tendo
como horizonte uma sociedade de liberdade e justiça, radicada na fruição
coletiva e igualitária dos bens comuns e na sobrevivência digna de todos, cabe
aos protagonistas da economia social assumirem uma sinergia plena com o Estado
social, que a nossa Constituição garante juridicamente, envolvendo-se com ele
numa mesma dinâmica esperançosa e transformadora.
É
neste contexto que felicito vivamente todos os premiados de hoje, expoentes de
excelência em várias constelações da economia social, generosos criadores de
futuros, cultores do inconformismo e da esperança.
Rui
Namorado
[22/01/2108]
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