segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

A Europa do Nosso Descontentamento

O poema que reproduzo de seguida foi escrito em setembro de 2015, tendo sido depois  publicado como abertura do nº 22 da revista "Foro das Letras" da Associação Portuguesa de Escritores-Juristas.

 Resolvi evocá-lo neste blog na ressaca deste início tão deprimente do mais recente episódio britânico. Quando se trata de salvar bancos e sacrificar povos, os amanuenses tristes que dirigem hoje a Europa são decididos e rigorosos. 

Aliás, esta deriva sem norte e sem bússola mostra afinal com clareza  como os  alegados cristãos do partido popular europeu mais não são do que  caniches de luxo da grande finança mundial. 

Mas mostra também uma anemia política grave dos partidos que integram o partido socialista europeu e que parecem conformados com o triste papel de simples ajudantes dos capatazes do capital que acabo de referir. Desgraçadamente, as outras esquerdas, à escala europeia, não se têm mostrado capazes de compensar a anemia que mencionei, parecendo oscilar sem um rumo possível, entre um radicalismo vazio de horizontes e uma promiscuidade arriscada com agendas ancoradas num populismo nivelador e justicialista.

É nesta amargura profunda mas que não baixa os braços que inscrevi o meu poema. Aqui o têm.



Europa do nosso descontentamento

Cansada  do cansaço de não ser
mais do que a sombra do que já não é,
deixa o fado descer nas suas veias
como saudade, angústia, esquecimento.

Europa que foi grão, talvez caminho,
semente de luz no rio das trevas,
nevoeiro de sonhos ou viagem,
glória de si própria interrompida.

Quem são os algarismos que nos cercam
como se  a carne do tempo fossem números?
O que é esta frieza que nos gela,
como se após a noite fossem trevas?

Os braços que se erguiam sem limite,
esculpindo em sofrimento o fio da História,
descem agora como se morressem
no naufrágio de todos os caminhos.

Cansada do cansaço de não ser
a praia onde viviam as sereias,
Europa , deusa que não tem destino,
perdida na saudade de si própria.

Quem são estes fantasmas que nos movem,
como se o tempo já não fosse nosso?
Quem fez estas paredes que nos cercam,
erguidas contra o tempo, sem futuro?

Cansada do cansaço de não ser
a terra onde morria o nevoeiro,
Europa está fechada neste tempo,
como se fosse eterna e não durasse.

Venham as musas todas dos poetas
no combate supremo pelo sonho,
venham as cores de todos os  pintores
para a suprema cor de ser manhã.

Venha o secreto amor das sinfonias,
a dor que rasga o som dos violinos,
o murmurar sem tempo das guitarras,
a música do vento, o som da esperança.

No sossego das ruas indolentes,
 nas praças que perderam o clamor,
nas cidades esquecidas, já sem alma,
nasça de novo a imensidão dos povos.

E no museu das lendas despedidas
deixemos esta Europa sem destino,
deixemos esta cinza de não ser,
este outono que queima devagar.


 Rui Namorado                                            
(setembro de 2015)

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