Hoje, vamos
lembrar António Nobre, poeta português do fim do século XIX, nascido no Porto
em 1867, cidade onde viria a morrer em 1900. Evocá-lo a seguir a Cesário Verde permite-nos
sentir as diferenças e a proximidade que os unem. Ambos se abriram a uma modernidade que cada um a
seu modo prenunciou. António Nobre explorou a fundo a melancolia do sofrimento,
como se a tristeza fosse a sua respiração, sem deixar de acolher os reflexos da
natureza que o rodeava, quase como um sonho que sentia ser breve.
"Só", a sua
principal obra, foi editada em Paris em 1892. António Nobre havia-se
matriculado em Direito, na Universidade de Coimbra. Tendo reprovado por duas
vezes, optou por ir para Paris, frequentar a “École Libre des Sciences
Politiques”, onde se licenciou em Ciências Políticas em 1895.
Vamos
recordar extratos de um poema incluído no “Só”, para o seu autor “o livro mais
triste que há em Portugal”, cujos poemas foram na sua maior parte escritos em
Paris. “Carta a Manoel” foi escrito em Coimbra, entre 1888 e 1890. É uma
evocação de Coimbra e do modo como o poeta a sentiu, sem transigências, mas com
afeto. Coimbra não o esqueceu. A Torre d’Anto, onde o poeta viveu, é dos
ex-libris da cidade, uma homenagem permanente.
Carta a Manoel
Manoel, tens razão. Venho tarde. Desculpa.
Mas não foi Anto, não fui eu quem teve a culpa,
Foi Coimbra. Foi esta paisagem triste, triste,
A cuja influencia a minha alma não reziste,
Queres notícias? Queres que os meus nervos falem?
Vá! dize aos choupos do Mondego que se calem...
E pede ao vento que não uive e gema tanto:
Que, enfim, se sofre abafe as torturas em pranto,
Mas que me deixe em paz! Ah tu não imaginas
Quanto isto me faz mal! Pior que as sabatinas
Dos ursos na aula, pior que beatas correrias
De velhas magras, galopando Ave-Marias,
Pior que um diamante a riscar na vidraça!
Pior eu sei lá, Manoel, pior que uma desgraça!
Mas não foi Anto, não fui eu quem teve a culpa,
Foi Coimbra. Foi esta paisagem triste, triste,
A cuja influencia a minha alma não reziste,
Queres notícias? Queres que os meus nervos falem?
Vá! dize aos choupos do Mondego que se calem...
E pede ao vento que não uive e gema tanto:
Que, enfim, se sofre abafe as torturas em pranto,
Mas que me deixe em paz! Ah tu não imaginas
Quanto isto me faz mal! Pior que as sabatinas
Dos ursos na aula, pior que beatas correrias
De velhas magras, galopando Ave-Marias,
Pior que um diamante a riscar na vidraça!
Pior eu sei lá, Manoel, pior que uma desgraça!
………………………………………………………………
Ó Rio Doce! túnel d’água e de arvoredo!
Por onde Anto vogava em o wagon d'um bote...
E, ao sol do meio-dia, os banhos em pelote,
Quando íamos nadar, á Ponte de Tavares!
Tudo se foi! Espuma em flocos pelos ares!
Tudo se foi...
Hoje, mais nada tenho que esta
Vida claustral, bacharelática, funesta,
N'uma cidade assim, cheirando, essa indecente!
Por toda a parte, desde a Alta á Baixa, a lente!
Bem me dizias tu, como que adivinhando
O que isto para mim seria, Amigo, quando
O ano passado, vim contra tua vontade
Matricular-me, aí, n'essa Universidade:
«Anto não vás...» dizias tu. Eu, fraco, vim.
Mas certamente, é natural, não chego ao fim.
Ah quanto fora bem melhor a formatura,
Na Escola-Livre da Natureza, Mãe pura!
Que ótimas preleções as preleções modernas,
Cheias de observação e verdades eternas,
Que faz diariamente o Prof. Oceano!
Já tinha dado todo o Coração Humano,
Manoel! faltava um ano só para acabar
Meu curso de Psicologia com o Mar.
Porque troquei pela Coimbra inútil, vã,
Essa Escola sem par, cujo reitor é Pan?
Talvez... preguiça, eu sei... A cabra é a cotovia:
As aulas, lá, começam mal aponta o dia!
Que tédio o meu, Manoel! Antes de vir, gostava.
Era a distância, o além, que me impressionava:
Tinha a poesia do sol-pôr, d'uma esperança.
Mas, mal cheguei (que espanto! eu era uma criança...)
Tudo rolou no solo! A Tasca das Camelas
Para mim, era um sonho, o céu cheio de estrelas:
Nossa Senhora a dar de cear aos estudantes
Por 6 e 5! Mas ah! foi-se a Virgem d'antes,
Tia Camela... só ficou a camelice.
Contudo, em meio d'esta fútil coimbrice,
Que lindas coisas a lendária Coimbra encerra!
Que paisagem lunar que é a mais doce da Terra!
Que extraordinárias e medievas raparigas!
E o rio e as fontes? e as fogueiras? e as cantigas?
……………………………………………………………………..
Olha... São os Gerais, no intervalo das aulas.
Bateu o quarto. Vê! Vem saindo das jaulas
Os estudantes, sob o olhar pardo dos lentes:
Ao vê-los, quem dirá que são os descendentes
Dos navegantes do seculo XVI?
Curvam a espinha, como os áulicos aos reis!
E magros! tristes! de cabeça derreada!
Ah! Como hão-de, amanhã, pegarem uma espada!
- E os doutores? - Aí, os tens graves, á porta.
Porque te ris? Olha-los tanto... Que te importa?
Há duas exceções: o mais, são todos um,
Quaresma d'alma, sexta-feira de jejum...
Ó Rio Doce! túnel d’água e de arvoredo!
Por onde Anto vogava em o wagon d'um bote...
E, ao sol do meio-dia, os banhos em pelote,
Quando íamos nadar, á Ponte de Tavares!
Tudo se foi! Espuma em flocos pelos ares!
Tudo se foi...
Hoje, mais nada tenho que esta
Vida claustral, bacharelática, funesta,
N'uma cidade assim, cheirando, essa indecente!
Por toda a parte, desde a Alta á Baixa, a lente!
Bem me dizias tu, como que adivinhando
O que isto para mim seria, Amigo, quando
O ano passado, vim contra tua vontade
Matricular-me, aí, n'essa Universidade:
«Anto não vás...» dizias tu. Eu, fraco, vim.
Mas certamente, é natural, não chego ao fim.
Ah quanto fora bem melhor a formatura,
Na Escola-Livre da Natureza, Mãe pura!
Que ótimas preleções as preleções modernas,
Cheias de observação e verdades eternas,
Que faz diariamente o Prof. Oceano!
Já tinha dado todo o Coração Humano,
Manoel! faltava um ano só para acabar
Meu curso de Psicologia com o Mar.
Porque troquei pela Coimbra inútil, vã,
Essa Escola sem par, cujo reitor é Pan?
Talvez... preguiça, eu sei... A cabra é a cotovia:
As aulas, lá, começam mal aponta o dia!
Que tédio o meu, Manoel! Antes de vir, gostava.
Era a distância, o além, que me impressionava:
Tinha a poesia do sol-pôr, d'uma esperança.
Mas, mal cheguei (que espanto! eu era uma criança...)
Tudo rolou no solo! A Tasca das Camelas
Para mim, era um sonho, o céu cheio de estrelas:
Nossa Senhora a dar de cear aos estudantes
Por 6 e 5! Mas ah! foi-se a Virgem d'antes,
Tia Camela... só ficou a camelice.
Contudo, em meio d'esta fútil coimbrice,
Que lindas coisas a lendária Coimbra encerra!
Que paisagem lunar que é a mais doce da Terra!
Que extraordinárias e medievas raparigas!
E o rio e as fontes? e as fogueiras? e as cantigas?
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Olha... São os Gerais, no intervalo das aulas.
Bateu o quarto. Vê! Vem saindo das jaulas
Os estudantes, sob o olhar pardo dos lentes:
Ao vê-los, quem dirá que são os descendentes
Dos navegantes do seculo XVI?
Curvam a espinha, como os áulicos aos reis!
E magros! tristes! de cabeça derreada!
Ah! Como hão-de, amanhã, pegarem uma espada!
- E os doutores? - Aí, os tens graves, á porta.
Porque te ris? Olha-los tanto... Que te importa?
Há duas exceções: o mais, são todos um,
Quaresma d'alma, sexta-feira de jejum...
………………………………………………………….
Manoel, vamos por aí fora
Lavar a alma, furtar beijos, colher flores,
Por esses lindos, deliciosos arredores,
Que vistos uma vez, ah! não se esquecem mais:
Torres, Condeixa, Santo António de Olivais,
Lorvão, Cernache, Nazaré, Tentúgal, Celas!
Sítios sem par! Onde há paisagens como aquelas?
Santos Lugares, onde jaz meu coração!
Cada um é para mim uma recordação...
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Manoel, vamos por aí fora
Lavar a alma, furtar beijos, colher flores,
Por esses lindos, deliciosos arredores,
Que vistos uma vez, ah! não se esquecem mais:
Torres, Condeixa, Santo António de Olivais,
Lorvão, Cernache, Nazaré, Tentúgal, Celas!
Sítios sem par! Onde há paisagens como aquelas?
Santos Lugares, onde jaz meu coração!
Cada um é para mim uma recordação...
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