O socialismo como horizonte
- uma visão humanista do pós-capitalismo.
Colóquio promovido pelo Clube Manifesto para uma Renovação Socialista
- uma visão humanista do pós-capitalismo.
Colóquio promovido pelo Clube Manifesto para uma Renovação Socialista
no sábado dia 15 de dezembro, de 2012, às 15 horas
na Faculdade de Economia em Coimbra.
1. O texto que abaixo se transcreve é parte do documento
político fundador do Clube Político Margem Esquerda (ME), o primeiro clube a ser instituído no seio do PS em 2002. Depois
dele, os estatutos deste partido viriam a reconhecer a utilidade política deste tipo de clubes,
legitimando-os expressamente.
Muita água correu desde então debaixo das pontes,
mas este texto não perdeu atualidade. O tema é importante, ao refletir afinal sobre o
cerne da identidade político-ideológica dos socialistas.
De fato, se o capitalismo tem vindo a sublinhar
o seu profundo anti-humanismo estrutural, transformando-se num pesadelo que
aflige cada vez mais seres humanos, nem por isso o socialismo ganhou robustez
como síntese das melhores esperanças da humanidade. Mesmo os partidos da
Internacional Socialista que, ainda olham para si próprios como se fossem portadores
de um futuro que os identifique como socialistas, parecem possuídos por uma
melancolia estratégica que, afastando-os da utopia, os torna incapazes de
imaginar um futuro que sintetize e exprima os ideais emancipatórios que têm impulsionado
a história da humanidade.
Apesar do seus dez anos, este texto conserva
ainda, penso eu, um potencial suficiente para poder ser utilizado como um
elemento preparatório do debate que vai
decorrer em Coimbra no próximo sábado.
2. Nunca
renunciar a um horizonte socialista
" Mais
de dois séculos decorreram desde a Revolução Francesa. Não foram, contudo,
suficientes para apagar muitas das chagas sociais e humanas que continuam a
desafiar o mundo.
A
aceleração do tempo histórico e do progresso tecnológico, com a dinâmica de
mudança que implica, tornou-se um factor social de uma importância decisiva,
surgindo como um desafio que tem que ser enfrentado com uma eficácia muito maior
do que aquela que até agora tem sido conseguida. Mas não podemos confundir o
relevo da aceleração da mudança com uma certa retórica ilusionista da
modernidade, que ignora a complexidade das sociedades actuais, encarando-as
numa perspectiva redutora, de índole economicista e anti-humanista, que, em
larga medida, se destina a servir de cortina de fumo para ocultar alguns dos
problemas mais graves do mundo de hoje.
Se
o socialismo se quer afirmar como a juventude do mundo, não pode ficar preso a
um passado que já não existe, isto é, tem de saber compreender as novas
tendências de mudança das sociedades actuais. Mas, sob pena de perder a alma,
de deixar de ser ele próprio, tem de aprender a reencontrar-se mais
profundamente com os seus valores históricos. Não pode alhear-se dos flagelos
sociais que estão na raiz da sua existência e que se mantêm ou se agravaram.
Não pode ficar indiferente aos problemas e às angústias dos trabalhadores, bem
como de todos os que sofram exclusão, exploração ou opressão.
Muitos
serão os problemas e os temas dignos de atenção que elegeremos como objectos de
reflexão e debate. Queremos, no entanto, desde já destacar duas áreas de
incerteza, entre as várias que podiam ser escolhidas, que merecem ser
exploradas, para que possamos compreender melhor tudo o que com elas se
relaciona.
A
primeira diz respeito à fluidez do conceito actual de socialismo, ao carácter
discutível do que significa um horizonte socialista como objectivo e como
possibilidade histórica que se mantém em aberto.
A
segunda diz respeito à dificuldade em aferir com precisão em que medida as
grandes linhas de orientação política por que optamos, bem como os objectivos
políticos genéricos que assumimos conjunturalmente em termos programáticos, nos
aproximam ou nos afastam de um horizonte socialista. E essa dificuldade
aumenta, quando estão em causa medidas políticas pontuais de significado
limitado.
Os
socialistas têm que ser capazes de fazer sempre uma dupla avaliação das suas
orientações e das medidas políticas que preconizam. Têm de saber em que medida
elas perturbam ou melhoram o funcionamento corrente da sociedade, em que
medida elas são harmonizáveis ou contraditórias com a procura de um horizonte
socialista e com a trajectória a percorrer para dele nos aproximarmos.
Isso
nunca foi fácil, mas o desmoronamento do modelo soviético tornou possível uma
consciência mais aguda da sua dificuldade. Não porque ele tenha atingido
directamente os partidos da Internacional Socialista, mas porque tornou
evidente que o problema da alternativa ao capitalismo deveria ser colocado em
termos mais complexos do que até então.
De
facto, mesmo não tendo inscrito no seu código genético o sonho do assalto a um
Palácio de Inverno como acto fundador e purificador, era dominante na Internacional
Socialista a valorização da ideia de uma espécie de "grande noite
eleitoral", que abrisse abruptamente um novo tempo, em que os socialistas,
a partir do governo de um único país, aí construíssem democraticamente uma
sociedade diferente.
A
Internacional Socialista recusava-se a caminhar para o socialismo, sacrificando
a democracia. Na sua identidade era central a ideia de que só em democracia era
possível alcançá-lo. No entanto, ainda que difusamente, encarava a falta de
democracia como o problema essencial do modelo soviético,
Com
o seu desmoronamento, todavia, ficou claro que o modelo soviético não foi um
simples atalho histórico, penalizado apenas por ter escolhido uma rota que
sacrificou a democracia para atingir mais depressa uma sociedade justa. Foi,
sim, um colectivismo produtivista de Estado, globalmente diferente do
socialismo, que em vez de conduzir rapidamente ao um futuro libertador, deixou
milhões de seres humanos divididos entre uma miragem do que afinal nunca
existiu e um passado a que é impossível voltar.
Hoje,
é mais fácil perceber que não será o simples exercício do poder político num
determinado Estado que, por si só, nos aproximará decisivamente de um
horizonte socialista.
Hoje,
é mais fácil perceber que a actualidade da ideia socialista se radica na
possibilidade do socialismo ser um horizonte qualificante da democracia e da
civilização humana, para o qual a sociedade no seu todo caminhará ou não, com
naturais sobressaltos e retrocessos, no quadro de um processo prolongado, ainda
distante do seu termo. Horizonte que não deve confundir-se com um destino predefinido,
já que é antes uma referência que sustenta uma ambição reformadora radical,
fundada num projecto aberto sempre em evolução. Uma ambição guiada pelos valores do
socialismo, em permanente construção crítica no quadro de uma atitude
prospectiva, realista e inconformada, que não aceita que o capitalismo seja o
fim da história.
Renunciar
a esse horizonte é perder a identidade socialista. Valorizá-lo é uma opção que
está longe de estar balizada e caracterizada, podendo dizer-se que estamos
perante um espaço problemático e não perante um conjunto de orientações
reflectidas e testadas.
Está
em causa um processo de amadurecimento social que deve contar com um importante
protagonismo do Estado, mas que está muito longe de lhe ficar circunscrito. A
evolução do tecido social terá de conjugar-se com o exercício do poder
político, numa sinergia virtuosa. A valorização do Estado como expressão plena
da política é uma prioridade que implica uma renovada atenção sobre as suas
crescentes responsabilidades reguladoras e uma rigorosa dinâmica reformadora da
administração pública. Mas não pode dispensá-lo também de um novo tipo de
relacionamento com as dinâmicas sociais de base, que constituem uma vertente
insubstituível do desenvolvimento social, assumindo-se como instância de
permanente encorajamento e de apoio crítico às suas iniciativas.
Neste
contexto, percebe-se que a estatização dos meios de produção não seja encarada
como etapa necessária de uma evolução socialista. Ficou mais nítido o seu
carácter instrumental, bem como os riscos de, por si só, poder não conduzir aos
objectivos que a justificavam, ou contribuir mesmo para nos afastar deles.
No
entanto, também não parece sustentável querer substituir um fundamentalismo
económico de pendor estatizante, por um fundamentalismo privatizador, radicado
no neo-liberalismo como numa verdadeira religião do mercado.
Na
época da globalização, em que é visível o seu carácter contraditório, temos de
assumir a incomodidade de um pensamento crítico. Um pensamento capaz de
combater as ideias feitas, mediaticamente inculcadas pelo aparelho
ideológico-cultural dominante, como se representasse a verdade definitiva. Um
pensamento crítico que nos impeça de confundir a realidade com aquilo que
gostaríamos que ela fosse, mas que esteja longe de aceitar aquilo que existe.
Por
isso, em cada conjuntura, devemos procurar perceber sempre qual é a força
propulsora principal, qual é o obstáculo mais difícil. Estarão estes aspectos
devidamente ponderados nas questões que ocupam a ribalta das nossas ideias? E
estarão estas irremediavelmente ancoradas na nossa experiência histórica,
correspondendo, por isso, a uma sociedade que já é passado? Por que outras vias
deveremos prosseguir? Com base em que novas referências? Alguma vez
transformaram os homens a sociedade, a não ser a partir da valorização das
questões que lhes ocorreram? Se não devemos valorizar as questões que reflectidamente
nos ocorrerem, que questões devemos, então, valorizar?
Sem
nunca renunciarmos a uma atitude anti-dogmática, poderemos orientar-nos melhor
nesta multiplicidade de interrogações, se confrontarmos sempre o presente com
o horizonte socialista que nos identifica e que ambicionamos como futuro.
É,
por isso, preciso que estejamos atentos às transformações do capitalismo,
sabendo que elas podem, eventualmente, conduzir a profundas alterações da
própria natureza da luta política, sem nunca cairmos na ilusão de que o
capitalismo se extinguiu.
Seria
de facto a suprema ironia que os socialistas renunciassem a combatê-lo, com a
alegação de que já não existe, precisamente num tempo em que os seus arautos
decretaram a sua irreversível vitória histórica.
Isto
não significa que encaremos o capitalismo numa óptica simplista e redutora, que
menospreze a sua complexidade, os seus aspectos ambivalentes, as suas
virtualidades de dinamização económica. Significa antes, que o consideramos
incapaz de eliminar a pobreza e a marginalidade, de suscitar a felicidade
humana e a melhoria da qualidade de vida das pessoas, generalizada e
sustentadamente, dado o facto de ser predominantemente predatório e
desumanizante. Nesta medida, é decisiva a nossa capacidade para revitalizar os
valores socialistas da liberdade, da justiça, da igualdade, da fraternidade,
da solidariedade, do respeito pela natureza, da cooperatividade, da
criatividade cultural, da inovação organizacional, submetendo-os a uma
permanente reactualização crítica, que os complete e enriqueça. No fundo, será
talvez um caminho para encarar o socialismo como um humanismo que possa
aproximar o mundo de hoje da felicidade, livrando-o dos pesadelos colectivos
que continuam a povoá-lo.
Por
tudo isto, o território conceptual assinalado pelo leque de hipóteses e de
interrogações que acabamos de percorrer constituirá um dos principais objectos
da nossa atenção e da nossa actividade."
3. Para debater toda a problemática do socialismo, no próximo dia 15 de dezembro (sábado), com início às 15 horas, o Clube Manifesto para uma Renovação Socialista vai promover um colóquio sobre: : O socialismo como horizonte - uma visão humanista do pós-capitalismo.
O Colóquio terá lugar na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Anfiteatro 1.1. – piso 1), na Avenida Dias da Silva – nº 165, em Coimbra.
Conservando-se o formato dos três colóquios anteriores, serámoderador um dos membros do Clube, Pio Abreu. Uma das intervenções será feita por um convidado, Pedro Nuno Santos, a outra, será feita por outro membro do Clube, Rui Namorado. Seguir-se-á um debate.
O nosso convidado, Pedro Nuno Santos, é economista, deputado na Assembleia da República pelo PS e Presidente da Federação de Aveiro do PS, tendo sido secretário-geral daJuventude Socialista (2004-2008).
Este colóquio é aberto a todos os interessados, esperando-se que seja objeto de uma particular atenção por parte dos militantes do PS.
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