quinta-feira, 11 de outubro de 2012

OUVIR DIZER ...


Mesmo antes de ter longamente percorrido a aprendizagem e o ensino das árduas matérias jurídicas, num continuado esforço de descoberta dos seus mistérios, adquiri como um dos conhecimentos básicos mais óbvios a ideia de que um testemunho por ouvir dizer não tinha força probatória. E não foi preciso, para tão lógica aquisição, mergulhar nas profundezas inóspitas dos tratados de direito. Bastou uma juvenil leitura do autor americano de romances policiais  Erle Stanley Gardner, na velha Colecção Vampiro, para, através do seu inesquecível Perry Mason , absorver essa condenação à irrelevância processual dos testemunhos por ouvir dizer.

Compreendam, por isso, que tenha sido com naturalidade que recebi a notícia de que o Ministério Público desconsiderou uma comunicação do juiz do Processo Freeport, através da qual o imaginativo magistrado, após absolver os réus, preconizou a abertura de um processo contra José Sócrates com base no facto de algumas testemunhos terem em juízo dito que ouviram dizer sobre Sócrates coisas menos abonatórias susceptíveis de configurarem uma actividade criminosa. E desconsiderou a comunicação do juiz invocando precisamente o argumento de se tratar de testemunhos por ouvir dizer que como tal não tinham valor probatório.

 Por um lado, fiquei satisfeito , já que o nosso Ministério Público mostrava capacidade para reconhecer o óbvio. Por outro lado, fiquei de algum modo alarmado pelo facto de durante anos , magistraturas, comunicação social e até alguns expoentes da sabedoria jurídica terem passeado pelas margens do referido processo ancorados nesse ouvir dizer. Ancorados nessa leve neblina para combaterem denodadamente alguém que nunca chegou a ser chamado ao processo. Ou seja, durante longos anos, algumas instituições jurídicas e muitos alegados sábios demonstraram não terem ainda atingido o nível de conhecimentos jurídicos e de argúcia que os fizessem alcançar o modesto patamar de um personagem célebre dos romances policiais de Erle Stanley Gardner. 

2 comentários:

Anónimo disse...

É uma cultura ainda considerada no seio do povo, infelismente.
Entretanto, continua o mesmo filme do diz que disse e o do ouvi dier corroborado pela imprensa, rádio e televisão dominada por empresarios e jornalistas que se prestam a tudo à procura de tachos e panelas.

E o pior pior, há quem dentro de Partidos ditos democraticos que aplaudem a desonestidade e a mentira. PARA ALÉM DA IMCOMPETÊNCIA

Quando os tribunais principais não são eleitos mas sim nomeados, Escolhidos, algo me diz que a democracia burguesa está a falhar.

Penso que não paga a pena lamentarmo-nos pelo que facultamos, em boa fé, há é que corrigir a tempo.
Sempre duvidoso, mas ainda assim acreditando mais no que os homens dizem e escrevem e menos do que eles fazem, foi erro meu, tenho de confessar!
Respeitosamente de "O Catraio"

Carlos Esperança disse...

A politização da Justiça é um cancro corrói a democracia.

Não sei como conciliar a independência de que deve gozar a Justiça com o bom senso de que precisam os magistrados.