sexta-feira, 29 de outubro de 2021

TONITROANTE HIPOCRISIA

 


Tonitruante hipocrisia

Na sua tonitruante hipocrisia, a direita decreta desesperadamente que a unidade de esquerda está morta. Todo o seu discurso pela boca dos mais seráficos ou insuspeitos porta-vozes diz que por isso chegou a sua vez.

Reparem: se descontarmos as ladainhas gastas dos narizes de cera neoliberais, a direita não é capaz de dar ao povo uma razão para votar nela. A não ser a sua estranha promessa de que vai enriquecer de imediato os ricos para que eles possam depois distribuir calmamente  aos pobres algumas generosas migalhas.

A mim parece-me que a direita só encontra como única razão para que votem nela o facto de a esquerda se ter desentendido.

O ruído vai crescer. Ela vai distribuir números esotéricos e prantos crocodílicos para nos dizer que Portugal está de rastos, preparando-se para tentar uma vez mais colocar-se em posição de permitir que os ricos e poderosos suguem mais livremente o país.

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Cuidado com o Anjo da História!

 


Cuidado com o Anjo da História!

Quando na Alemanha o nazismo já começava a tornar-se visivelmente perigoso, o Partido Comunista Alemão recusou qualquer concertação com os socialistas do SPD, baseando-se numa linha política simples que se traduzia em “enterrar o nazismo sob o cadáver da social-democracia”.
O Anjo da História adormeceu e o nazismo não foi enterrado, floresceu. Uniu, nos campos de concentração e nos obituários do seu poder, comunistas e socialistas. Vários povos, a começar pelo povo alemão, sentiram-lhe o peso insuportável .
A água continuou a passar por debaixo das pontes e o Anjo da História foi acordando lentamente sem deixar de passar por múltiplas distrações. O nazismo pereceu nas caves mais fundas da indignidade e da ignomínia. O Partido Comunista Alemão já não existe. O SPD prepara-se para liderar o próximo governo por escolha democrática dos alemães.
A História não se repete mas é saudável não a esquecer. O seu Anjo não pára de nos surpreender

domingo, 24 de outubro de 2021

FÁBULA CANSADA

 



Em 31 de Dezembro de 2019 publiquei no meu blog  O Grande Zoo este poema. Infelizmente faz sentido recordá-lo.

 

Fábula Cansada

 

A esquerda atravessa o rio,

um sapo sob um lacrau.

 

O lacrau para ser lacrau

só pode sempre morder.

 

O sapo vai afundar-se

vencido pelo veneno?

 

O lacrau vai afogar-se

porque não pode nadar?

 

Que importa, clama o sapo,

este  caminho é o meu.

 

Que importa, diz o lacrau,

antes ser eu e morrer

do que pensar e viver.

 

Com o sapo e o lacrau

muito povo vai morrer.

 

Pergunto sem ironia,

não era melhor chegar?

          

                              [Rui Namorado]

domingo, 17 de outubro de 2021

O TRANSCENDENTE RANGEL E A LUZ

 


O transcendente Rangel e a luz.

O transcendente Rangel acendeu-se como um pirilampo mágico na alegada escuridão lusitana, tendo começado por transformar num discreto ribeiro o frondoso rio que afirmava sonhar que ganhou politicamente as eleições que perdeu. 

Antes de se ocupar generosamente de nos salvar a todos, não sabemos bem de que desgraças, propôs-se estancar sem piedade um espantado ribeiro. Não o deixando trovejar a sua imaginária vitória autárquica, confronto-o com uma refrega dramática que teve o país suspenso: as primárias do PSD eram ou não eram adiadas?

Os conselheiros espremeram rudemente as suas agitadas  mentes e deram ao transcendente Rangel um inesperado presente : não eram! O transcendente transcendeu-se ainda mais e ganhou um novo suplemento de alma, quando num esforço arqueológico reuniu apoios de velhas glórias de pretéritos desastres governamentais do PSD.

Concedendo subir à varanda da História, deu–nos a chave mágica das glórias futuras que nos oferecia e da fácil planície que nos levaria a percorrer. Desde logo ele prometeu oferecer-nos um elevador social que permitiria aos portugueses submetidos a um excesso de agruras, por uma sociedade desigual e injusta, que subissem na vida rumo à felicidade e ao sucesso. 

Os oráculos gregos esfregaram os olhos estremunhados perante a chegada abrupta de um novo colega capaz de inventar tão luminoso futuro. É certo que alguns deles se atreveram a estranhar que um tão forte defensor de um Estado fraco pedisse as rédeas do poder para dar corpo a um desígnio político tão intenso. Rangel acenava glorioso com a promessa de tornar o Estado paralítico para depois correr com ele os cento e dez metros obstáculos ─ um espanto.

 Alguns entre os mais céticos ainda perguntaram: “ Mas não seria melhor pensar um futuro em que não fosse necessário um elevador social por ninguém precisar de o subir?” Outros, mais presos a um presente que justamente  não suportam, acumulando-se desde já à porta do prenunciado elevador perguntam em uníssono : “Subimos todos?”

Embalado na ascensão irresistível, o transcendente deu mais um passo decisivo.  Como sinal de robustez do seu desígnio de subida, anunciou a sua ideia salvífica e decisiva de oxigenação da esfera pública: logo que lhe fossem dadas as rédeas internas do poder no PSD, sem mais delongas ele arrastaria os outros partidos na Assembleia da República para alimentarem atordoadamente o seu desígnio naturalmente transcendente. Os debates com o Governo deixariam de ser mensais e voltariam a  ser quinzenais. Os politólogos mais exigentes estremeceram de espanto, perante tão luminosa inovação político-institucional. A ciência política abriu a sua exigente porta e acolheu desvanecida este assomo de criatividade: Debates quinzenais!

Esta é a história que conta como o transcendente Rangel se acendeu como um pirilampo mágico na alegada escuridão lusitana.

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

 PASTÉIS DE BELÉM?

Perpassou levemente pelo espaço mediático a sombra de uma notícia incómoda. Um ou outro raro jornalista, honesto ou distraído, deu-lhe breve e discreta existência.
Afinal o tonitruante caso da possível substituição do Chefe do Estado- Maior da Marinha não foi uma desastrosa secreção ministerial, com o perverso dedinho do Primeiro-Ministro. Não foi uma tenebrosa conspiração oculta, apontada à autonomia das forças armadas, fruto distante mas efetivo da lendária sofreguidão controladora do PS. Terá sido afinal , muito subtil e prosaicamente, um malabarismo radicado numa das casas que atuam no Palácio de Belém. Possivelmente forçando ligeiramente a mão do Presidente, mas seguramente entrando no jogo de sombras de humanas ambições almiranteares, que ousaram corroer o trajeto do grande chefe das vacinações nacionais.
A contenção discreta da nossa comunicação social e mesmo da feroz orquestra dos grandes comentadores não me deixaram afinal saber mais, ter uma certeza. É certo que achei algo estranho que quem foi tão intensivo na demolição de um ministro e na corrosão de um Governo tenha agora deslizado para um discreto silêncio que, parecendo distraído, não deixa de ser muito generoso para Belém e para as suas azougadas casas.
Por mim, caí num espanto ligeira por esta diferença de intensidade e de atitude, embora reconheça que a imparcialidade da nossa comunicação social e dos oráculos políticos mais evidenciados não é a sua qualidade mais evidente ( se é que ela realmente existe).
Mesmo assim não perdi a esperança de ouvir alguma trovoada , pelo menos por parte dos irrequietos porta-vozes que se julgam à esquerda do PS. E, mínimo dos mínimos, da nossa intemerata comentadora dos domingos.
É bem certo : a esperança é a última a morrer !

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

PENSANDO UM POUCO SOBRE O PRESENTE


A política não é uma sucessão de julgamentos morais em que se distribuam condenações, absolvições e louvores. Aproxima-se mais de ser uma pugna entre quem quer conservar o inigualitarismo social atualmente dominante e quem o quer combater e erradicar. Em Portugal, as esquerdas todas juntas( que são tendencialmente o primeiro desses dois lados) não têm por enquanto força suficiente para protagonizarem um processo de transformação social efetivo e duradouro. Depende de cada uma delas e do seu potencial de conjugação o aumento dessa força. Ao lutarem entre si não caminham no sentido do seu reforço, ficando mais longe de conseguirem uma efetiva mudança social que traga justiça e igualdade; ficam mais longe de responderem na prática às aspirações da respetiva base social. Aumenta assim o risco de explosões sociais dissipativas, que deixem o campo institucional aberto a um prolongamento da hegemonia da direita. E consequentemente aumenta o risco de um esvaziamento do envolvimento político-social do povo na resistência ao tipo de sociedade em que vivemos; ou seja das suas vítimas. E isso leva a um risco de anulação dos partidos de esquerda.
Será depois irrelevante apurar-se quem teve culpa do descalabro histórico, mas Portugal se isso acontecer cairá num severo buraco histórico; os portugueses ficarão bem longe dos seus mais legítimos anseios. É isto que está hoje em causa e não a esgrima florentina de lugares comuns, ainda que impregnados por uma aparente generosidade. A repetição de slogans previsíveis numa dialética inócua, um dia a dia previsível de diatribes cruzadas e cansativas.

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

A força do destino…

 

A força do destino…

O actual panorama político mostra as direitas mais perto de uma frente comum pré-eleitoral do que as esquerdas. Apenas a  eclosão do Chega perturba essa tendência. E as esquerdas não se mostram apenas longe de uma frente pré-eleitoral, mostram-se distantes de qualquer tipo de frente. A manutenção desta diferença parece ser a única esperança de a direita ganhar legitimidade democrática para governar em Portugal.

Se cada uma das esquerdas se limitar a mostrar que a culpa da dispersão é das outras, tudo tenderá a ir-se complicando cada vez mais. Mas este bloqueio não é um mero jogo de xadrez político. Por enquanto, tudo indica que há uma maioria social e eleitoral de esquerda. Mas a maioria social pode deixar de ser uma maioria eleitoral, se os partidos da esquerda insistirem em resistir a uma conjugação estável de esforços que conduza a entendimentos ou alianças com ambição duradoura. Eleitoralmente podem pagar caro a persistência na divisão, dando ainda um inestimável presente às direitas; abrindo-lhes desastradamente as portas da governação.

Recordemos, aliás, as consequências da incapacidade de nos anos 80, o PS, o PCP e o PRD se entenderem para governar. Estruturalmente, ela gerou o “cavaquismo” e a prazo  levou à extinção do PRD. O PS e o PCP foram subalternizados durante uma década. Todos deveriam ter aprendido.

É claro que, atendendo à nossa história pós 25 de Abril , não será simples nem fácil. Podem ser diversas as eventuais resistências de cada um. Compreensíveis. Mas não há outro caminho que corresponda politicamente à actual relação de forças na sociedade portuguesa e que limite os riscos inerentes ao futuro incerto que temos pela frente.