quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Um exemplo elucidativo

 

Um exemplo elucidativo

Há uns dias atrás, ouvi o Sec. Estado da Saúde explicar numa entrevista na RTP em que ponto estava o processo de mudança na estratégia de testagem. Distinguiu dois planos.

O primeiro, traduziu-se na decisão de passar a testar os contactos de novos  infetados  de um risco menor do que aquele pressuposto na atual estratégia ( testar mais). Para isso, era necessário proceder a alguns ajustamentos legais e modificar alguns funcionamentos padronizados  das estruturas administrativas envolvidas. As modificações legais seriam publicadas nessa noite. As medidas preparatórias implicadas estavam a ser concretizadas.

O segundo plano implica que se passem a aplicar estratégias de testagem que não se radiquem no aparecimento de novos casos; o que implica selecionar as organizações em cujo âmbito decorrerão as testagens sistemáticas, determinar as regras e a periodicidade. Envolvia diversos Ministérios e diversos tipos de entidades, quer públicas quer privadas, o que implicava um processo de participação múltipla naturalmente complexo, que estava em marcha.

Pouco depois, numa outra estação televisiva um conhecido autarca do PS numa análise sobre toda esta problemática, sem qualquer acrimónia antigovernamental,  fez diversas considerações sobre a questão acima referida em que mostrou desconhecer por completo o que meia hora antes o Sec. Estado havia dito. Estava em causa o alegado facto de o governo ter afirmado uma mudança de estratégia para reforço da testagem  e nada ter acontecido até então. A sua reação foi cautelosa, mas revelou o desconhecimento que referi.

Desde então, prosseguiu a campanha de diatribes por causa dessa suposta incongruência, sem que ninguém parecesse conhecer o que o membro do governo acima referido tinha dito na RTP. Partidos da oposição, comentadores e jornalistas continuaram com o mesmo discurso como se nada tivesse sido dito publicamente que os levasse, pelo menos a modelar o que tinam vindo a dizer.

E mantem-se essa nuvem insalubre de confusão que tem como pressuposto  implícito a ideia de que tendo o governo decidido hoje uma mudança de estratégia, ela pudesse num golpe de magia estar a ser  posta em prática amanhã. Sintomático. É evidentemente legítimo que se discuta o que o SE disse sobre o caso, mas não é possível continuar a falar-se como se ele nada tivesse dito.

Um sugestivo exemplo  da nuvem de superficialidade demagógica que paira  no espaço público.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Pensar politicamente os resultados de algumas sondagens


 Pensar politicamente os resultados de algumas sondagens 


1. Esbatido o ruído mediático que acompanhou a sua divulgação e os esforços dos atingidos que procuram sempre afeiçoar os seus resultados ao sabor dos seus interesses, vale a pena olharmos com alguma atenção para os resultados de cinco sondagens difundidas entre 16 de janeiro e 13 de fevereiro. Duas da Universidade Católica, duas da Eurosondagem e uma da Aximage . Quatro foram sondagens que seguiram o modelo habitual, uma foi feita à boca das urnas nas eleições presidenciais. Os resultados desta última mostram uma diferença ligeira relativamente ao conjunto dos outros que refletem pesquisas realizadas antes e depois das eleições presidenciais.

2. Os resultados do PS oscilam entre 39 e 39,9%, no âmbito do grupo das quatro sondagens, descendo para 35%, na sondagem feita à boca das urnas no dia das eleições presidenciais.

Os do PSD, entre 26,2 e 28% no grupo das quatro sondagens , atingindo 28% no dia das presidenciais.

Os do BE, entre 6,5 e 7,2 % nas quatro, chegando a 8% na outra.

O Chega, entre 5,5 e 8% nas quatro, chegando a 9% na outra.

A CDU, entre 4,8 e 5,3% nas quatro, atingindo 6% na outra.

O PAN, entre 2 e 3,5% nas quatro, tendo 2% na outra.

O CDS, entre 0,8 e 2,5% nas quatro, tendo 2% na outra.

A IL, entre 1,3 e 5% nas quatro, tendo chegado aos 7% no dia das presidenciais.

O conjunto das esquerdas oscilou entre 50,8 e 52,1 % nas quatro, tendo tido 50% na outra. As esquerdas não PS oscilaram entre 11,7 e 13%, tendo tido 14% no dia das presidenciais.

O conjunto das direitas oscilou entre 36 e 43% nas quatro, tendo tido 41% na outra. A direita sem o Chega oscilou entre 31,4 e 35%, tendo tido 32% na outra.

Se considerarmos o PAN como sendo o centro, os seus resultados estão acima indicados.

3. Estes números não representam uma antecipação dos resultados das próximas eleições, mas retiram verosimilhança a premonições  e cenários que pressuponham o seu contrário.  Larachas sobre mudanças de ciclo político, alegações de que o governo está destroçado podem exprimir desejos de quem os formula, mas não há verificação objetiva de que sejam uma realidade.

Os portugueses não transformaram a angústia e o sofrimento suscitados pela pandemia numa rejeição do governo. Certamente, não porque entendam que a sua ação não refletiu nunca qualquer erro, mas por verem que procurou sempre fazer o melhor, tendo-o conseguido muitas vezes. Certamente, por perceberem que muito do sofrimento e muitas das dificuldades resultam de ressonâncias  estruturais do atual tipo de sociedade e não de decisões conjunturais deste governo. Elas são seguramente um desafio,  para este e para os próximos governos , mas não são culpa sua.

E não ressalta deste conjunto de sondagens que as oposições tenham visto a sua popularidade explodir, como reflexo de uma apreciação entusiástica do seu hipercriticismo antigovernamental.

 

4. Dos resultados comentados podem extrair-se algumas conclusões.

O PS mostra estabilidade na preferência relativa dos portugueses, mas com reforço da posição alcançada nas últimas eleições legislativas (36,34%).

 O PSD revela estagnação, já que nas eleições de 2019 teve 27,76 %.

O BE mostra alguma retração em face dos resultados de 2019: 9,52%. A CDU mostra uma ligeira flexão, perante os 6,33 %, atingidos em 2019.Em  conjunto ficam abaixo dos 15,85 % que  somaram em 2019.

O CDS perdeu mais de metade dos escassos 4,22 % em que ficou em 2019, colocando-se em risco de sobrevivência.

A IL fica claramente acima dos 1,29% de 2019 e o Chega rondando os 9% distancia-se muito dos 1,29 de 2019, parecendo consolidar os resultados que o seu candidato atingiu nas presidenciais. Desse modo, introduz instabilidade e incerteza na direita portuguesa.

Portanto, se a direita democrática resistir ao oportunismo de uma aliança com o Chega fica confinada a uma oscilação entre 31,3 e 32,7% nas quatro primeiras sondagens, chegando aos 35% na sondagem feita no dia das eleições presidenciais. Se renunciar à sua natureza democrática acolhendo o Chega, oscilará entre os 36,9% e os 43 % nas quatro sondagens, tendo tido 41% no dia das presidenciais.

Parece poder concluir-se que a ultrapassagem do conjunto das esquerdas pela direita não parece provável, mas a ultrapassagem das esquerdas pela direita democrática mostra-se uma hipótese muito remota. Não só à luz das sondagens de 2021, mas também em função da trajetória inerente à sua comparação com os resultados das eleições de 2019. Tanto mais que o período desde então decorrido já foi em grande parte sob a pandemia.

5. A intensa campanha política e mediática contra o governo e o PS não parece ter tido o efeito pretendido pelos seus promotores. A tentativa de transformar o mais pequeno erro do governo numa catástrofe de grandes proporções e de lhe imputar as culpas por todas as dificuldades surgidas no país parece não estar a convencer o povo.

Do mesmo modo, acumulam-se sinais de que assusta menos a continuidade deste governo do que a hipótese de cair sobre nós um governo de direita. Em especial porque começa a enegrecer essa ameaça o risco de um governo de direita não poder deixar de incluir o Chega. É como se o fantasma do 24 de abril nos viesse assombrar meio século depois de nos deixar.

Também parece claro que a crispação antigovernamental dos partidos de esquerda que não estão no governo não se revela um caminho promissor para o seu reforço eleitoral. E embora com menos nitidez parece merecer mais reservas aos seus próprios eleitorados a crispação agressiva  do BE do que a demarcação tribunícia do PCP. No horizonte a ambos assombra  a dificuldade em calibrarem bem a atitude de oposição ao governo. Ou são tão eficazes na crítica ao PS  que colocam a direita no poder, ou são tão inábeis nessa crítica que apenas alteram ligeiramente a relação de forças. Dificuldade acrescida por haver o risco de  a crítica ao ser excessivamente agressiva , em vez de desgastar o destinatário da crítica,  desgastar os seus autores.

Mesmo a direita não está livre de que isso também  lhe aconteça. Na conjuntura atual o trauliteirismo demagógico antigovernamental se passar certos limites pode virar-se contra os seus promotores.


 

sábado, 13 de fevereiro de 2021

O subtil absurdo

 

Ontem, com virulências distintas, as oposições criticaram o governo apoiado pelo PS, sugerindo que ele é maléfico para o país.Algumas roçaram o insulto, tendo-se indignado depois por o governo não se deixar insultar, quiçá de não lhes agradecer os insultos. Todas me pareceram convictas. Tudo natural , diz-se, como exercício de democracia. Admitamos que sim. Mas sendo o governo tão pernicioso aos olhos de uma maioria de deputados por que razão essa maioria não se concerta e dá à luz um novo governo que ponha em prática as ideias que as levaram a demarcar-se do actual governo ? Não seria um governo de salvação nacional, mas seria um governo de união das oposições apoiado por uma maioria parlamentar. Se esta maioria não o fizer, mostra ser incapaz de pôr em prática uma solução política melhor do que aquela que critica. Ou então as oposições são excelentes a destroçar mas misteriosamente tolhidas a construir. Nada disto tem lógica? Talvez não. Mas aparentemente ou está errada a acirrada unanimidade crítica, ou está errada a recusa em converter essa unanimidade num governo que exprima pela positiva essa maioria. Ou então as oposições estão apenas a tentar desgastar o governo com vista a futuras eleições, usando para isso as dificuldades presentes. Mas se assim for há aqui algo de estranho: por que razão almejam em diminuir o peso do PS em próximas eleições se actualmente já estão em maioria?

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

 Na  próxima sexta-feira em Coimbra na FEUC inicia-se a 12ª edição da Pós-Graduação em Economia Social - cooperativismo, mutualismo e solidariedade. Eis a sessão de abertura.




segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Bodas de ouro

 


BODAS DE  OURO

 

O ouro do tempo semeou

a seara dos dias que passaram.

 

Foram longos e breves, foram vida,

ancorados no peito da cidade.

 

Nas escarpas de ternura do teu rosto

repousam os meus dedos renovados

pela luz em que nasces cada dia.

 

Escreve-se o mundo em nós

como se fosse

o jardim de tudo o que sonhámos.

 

Gravados firmemente no futuro

colhemos sem temor

o que há de vir.

 

                            [Rui  Namorado]