Ainda a
conspiração contra o Papa Francisco
A mesma fonte da mensagem anterior conduziu-me a tomar conhecimento de um
outro texto sobre o tema da conspiração contra o atual Papa centrada nos USA.
É um texto de Eduardo Febbro, correspondente em França do jornal argentino Página 12, publicado na Carta Maior de 17/09/2019, que
funciona como introdução a uma entrevista ao jornalista francês Nicolas Senèze, correspondente do diário católico La
Croix, em Roma, publicada
inicialmente no Página/12.
Eis o texto acima referido:
“Para mim, é uma honra que os norte-americanos
me ataquem”, disse o Papa Francisco quando o jornalista francês Nicolas Senèze,
correspondente do diário católico La Croix em Roma, mostrou a ele o
livro-reportagem sobre o complô estadunidense contra o seu papado, durante a
viagem de avião que os levou a Moçambique. O título da obra é “Como a América
atua para substituir o Papa” (o título original é “Comment l’Amérique veut
changer de Pape”).
Os detalhes
desse complô e os nomes dos protagonistas e dos grupos envolvidos estão
claramente expostos nas páginas do livro, que descrevem, desde o seu início, a
mecânica da hostilidade contra o papado atual. O operativo tem até o nome de
“Relatório Chapéu Vermelho” (“The Red Hat Report”). Um círculo preciso que move
dinheiro e influência e é organizado pelos setores ultraconservadores e de mega
milionários dos Estados Unidos. As peças deste jogo de calúnias e poder se
encaixam em um complexo quebra-cabeças, que os adversários do pontífice vêm
armando nos últimos anos. O golpe começou a ser fomentado em Washington, no ano
de 2018. O grupo de ultraconservadores se reuniu na capital norte-americana
para fixar duas metas: atingir a figura de Francisco da forma mais destrutiva
possível e adiantar sua sucessão, para escolher, entre os atuais cardeais, o
mais adequado aos interesses conservadores.
O “Relatório
Chapéu Vermelho” foi organizado por um grupo de ex-policiais, ex-membros do FBI
(Departamento Federal de Investigações dos Estados Unidos), advogados,
operadores políticos, jornalistas e acadêmicos que trabalharam no estudo da
vida e das ideias de cada um dos cardeais, com o fim de destruir as carreiras
dos que não interessam, ou beneficiar as daqueles que pretendem impor como
substituto de Francisco, quando chegue o momento oportuno. E enquanto esse
momento não chega, o grupo busca preparar o terreno para o que Senèze chama de
“um golpe de Estado contra o Papa Francisco”.
Em uma manhã de
2017, Roma amanheceu coberta com cartazes contra o Papa. Foi o primeiro ato da
ofensiva: o segundo, e certamente o mais espetacular, aconteceu em agosto de
2018, quando, pela primeira vez na história do Vaticano, um cardeal tornou
pública uma carta exigindo a renúncia de Francisco. O autor foi o monsenhor
Carlo Maria Vigamo, ex-núncio do Vaticano nos Estados Unidos. O correspondente
do La Croix no Vaticano detalha a odisseia maligna deste grupo de poder em sua
missão por tirar do caminho um Papa cujas posições contra o neoliberalismo,
contra a pena de morte, a favor dos imigrantes e sua inédita defesa do meio
ambiente através da encíclica Laudato Sí promove uma corrente contrária à
desses empresários. Os conspiradores não têm nada de santos: são adeptos da
teologia da prosperidade, possuem empresas ligadas mercado financeiro e de seguros,
e estão envolvidos até com a exploração da Amazônia. Francisco é uma pedra em
seus sapatos, uma cruz sobre suas ambições.
Segundo Senèze,
organizações de caridade como “Os Cavaleiros de Colombo” (que possuem cerca de
100 bilhões de dólares, graças às companhias de seguros que administram), o
banqueiro Frank Hanna, a rede de meios de comunicação Eternal World Television
Network (EWTN), cujo promotor (o advogado Timothy Busch) também é criador do
Instituto Napa, que tem a missão de difundir “uma visão conservadora e
favorável à liberdade econômica”, estão entre os membros mais ativos do complô.
Mas também há outros, como George Weigel e seu famoso think tank, o Centro de
Ética e Política Pública.
No diálogo com o
jornal argentino Página/12, Senèze fala sobre a trama que, apesar do poder de
suas, ainda não foi capaz de derrubar o Papa.
Pergunta: Parece uma história de novela, mas é uma história real. O Papa Francisco
foi e é objeto de uma das campanhas mais densas já vistas contra um sumo
pontífice.
Nicolas Senèze: O Papa
Francisco não serve aos interesses desse grupo de empresários
ultraconservadores, e por isso decidiram atacá-lo. Atuam como se fosse o
conselho de administração de uma empresa, quando se despede o diretor porque
ele não alcançou os objetivos desejados. Essa gente conta com enormes recursos
financeiros, e mesmo assim, durante o mandato de Francisco, não conseguiram
influenciar sua linha de pensamento. Por isso, começaram a se aproximar de
pessoas de dentro da Igreja que também estão contra Francisco. Algumas delas,
como o monsenhor Vigamo, chegaram a exigir publicamente sua renúncia. Creio que
esse grupo de ultraconservadores superestimaram suas forças. O monsenhor Carlo
Maria Vigamo, por exemplo, não calculou a lealdade das pessoas dentro do Vaticano,
que não estavam dispostas a trair o Papa, mesmo as que são críticas de
Francisco.
Pergunta: A
operação que organiza o “Relatório Chapéu Vermelho” tinha dois objetivos, um
para agora e outro para o futuro.
Senèze: Efetivamente.
Como não puderam derrubar o Papa, tentam agora uma nova estratégia. Francisco
tem 84 anos, e podemos pensar que estamos cerca do fim do seu pontificado. O
que estão fazendo é preparar o próximo conclave. Para isso, estão investindo
muito dinheiro, contratado ex-membros do FBI para preparar dossiê sobre os
cardeais que participarão da eleição. O primeiro objetivo é destruir aqueles
que têm a intenção de continuar as reformas aplicadas pelo Papa Francisco.
Depois, buscar um substituto adequado aos seus interesses. O problema desta
meta é que, ao menos até agora, não eles não contam com nenhum candidato
verosímil. Não será fácil para eles. Entretanto, podem ir bem no trabalho de
arranhar a credibilidade dos candidatos reformistas, e dessa forma, podem levar
à eleição de um reformista fraco e manipulável, que ceda a pressão em favor de
desmontar as reformas de Francisco. Para isso, contam com muito poder econômico
e influência. Creio profundamente que a maioria dos católicos norte-americanos
respaldam o Papa Francisco. Mas nos Estados Unidos, a quantidade não basta. O
que fala mais alto é o fator dinheiro.
Pergunta: Esses
grupos já existiam antes, mas nunca atuaram com tanta força.
Senèze: São empresários
com enormes meios à sua disposição. Cada um deles foi criando seu grupo de reflexão
dentro da Igreja, sua escola de teologia, sua universidade católica, sua equipe
de advogados para defender a liberdade religiosa. É uma nebulosa operação, que
funciona mediante uma rede de instituições privadas, e que chegou para dominar
o catolicismo norte-americano. São, por exemplo, aqueles que doaram muito
dinheiro para ajudar as dioceses estadunidenses que tiveram que pagar enormes
indenizações após a revelação dos casos de abuso sexual. Por isso, podem impor
uma direção ideológica a essas dioceses. Por exemplo, Tim Busch está presente
em todas as etapas dessa montagem. Para proteger poderosos interesses
econômicos na Amazônia, esses grupos usam toda a sua força para desviar a
atenção e evitar, assim, a promoção de ideias em defesa da ecologia. Trabalham
sempre para distrair a atenção dos debates fundamentais. Por exemplo, nos
sínodos, buscam impor seus pontos de vista, ou seja, seus interesses.
Pergunta: E como
um grupo tão poderoso pode deixar que Francisco fosse eleito Papa?
Senèze: Não perceberam
que isso ocorreria, porque a eleição de Francisco foi resultado de uma dinâmica
que envolveu outras necessidades: este Papa foi eleito devido à crise no seio
da instituição, graças à vontade dos bispos do mundo inteiro de recuperar a
após anos de problemas gerados por erros do passado, que levaram, por exemplo,
à omissão diante dos casos de abuso sexual. Bergoglio se impôs porque era o
mais disposto a reformar essa Igreja. Mas sua ideologia choca com a visão que
os católicos ultraconservadores dos Estados Unidos têm sobre qual é o papel da
Igreja. Além disso, outro ingrediente próprio do catolicismo estadunidense é o
desprezo dos católicos brancos pelos latinos. O setor conhecido pela sigla WASC
(“white anglo saxon catholics”, ou “católicos brancos anglo-saxões”) odeia os
latinos, os considera pobres fracassados. Os WASC são muito influenciados pela
teologia da prosperidade difundida pelos evangélicos.
Pergunta: Donald
Trump atua nesse jogo?
Senèze: Não creio que
Trump tenha muitas convicções próprias. Ele certamente os escuta, mas quem tem
mais proximidade com esse setor é o vice-presidente Mike Pence. As diferenças
entre Washington e o Vaticano são muitas: o tema da pena de morte, a postura de
Francisco contrária a um liberalismo fora de controle, entre outras. O Papa, é
hoje um dos principais opositores aos fundamentos do poder econômico dos
Estados Unidos.
[Publicado
originalmente no Página/12 | Tradução de Victor Farinelli veja também em Carta Maior de 17/9/2019]