Uma entrevista com LULA.
Transcrevo hoje neste meu blog uma extensa entrevista dada em Agosto passado
à jornalista Mariana Schreiber, enviada da BBC News Brasil a Curitiba (PR), pelo ex-Presidente Lula.
É um texto longo, construído cm base em perguntas que não refletem
simpatia, mas não são inquinadas por qualquer acrimónia cega. Através dela
colhemos um testemunho vivo e atual de um protagonista central da política
brasileira e latino-americana. Enriquece o painel de documentos sobre Lula que temos vindo a difundir. Eis o texto
transcrito.
_____________________________
De dentro de sua cela
solitária na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, onde está preso
há mais de 500 dias, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acompanha a mudança de ares no Supremo Tribunal
Federal (STF) quanto aos resultados da Operação Lava Jato.
Na terça-feira,
véspera da entrevista concedida por Lula a BBC News Brasil e BBC News, a
Segunda Turma da Corte anulou, por três votos a um, a condenação do
ex-presidente do Banco do Brasil Aldemir Bendine, por entender que o então juiz
Sergio Moro (hoje Ministro da Justiça) não lhe garantiu o amplo direito à
defesa ao dar a ele e a delatores o mesmo prazo para alegações finais no
processo.
O caso pode servir de
precedente para anular a condenação no caso do sítio de Atibaia em primeira
instância, retrocedendo em algumas etapas o processo que já está em análise do
Tribunal Regional da 4ª Região. O presidente aguarda ainda julgamentos de
recursos que podem cancelar todos os seus processos originados na Justiça de
Curitiba, caso o STF considere que Moro e/ou os procuradores da força-tarefa da
Lava Jato agiram de forma parcial.
Apesar do cenário mais
favorável, o petista não bradou vitória antecipada, ao ser questionado pela BBC
News Brasil se estava mais esperançoso sobre o julgamento dos seus recursos no
Supremo. Ele cobrou "seriedade" da Corte para analisar cada processo,
e avaliar quem é culpado ou inocente com base nas provas.
Questionado se achava
que toda a Lava Jato deveria ser anulada, respondeu: "Não, eu acho que a
operação Lava Jato tem coisas que foram verdade, tem pessoa que confessou. Se o
cara confessou que roubou, o cara é ladrão".
A entrevista,
solicitada à Justiça em maio, foi autorizada no início de agosto. O presidente
falou por uma hora ao repórter britânico da BBC News Will Grant, em entrevista
para o público internacional, e por uma hora à repórter da BBC News Brasil
Mariana Schreiber com foco na audiência brasileira.
Lula, que passa 22
horas por dia sem conversar com ninguém, fica visivelmente feliz ao conceder
entrevista e se ressente quando o tempo estipulado pela PF se esgota.
"Pede uma
concessão para ele de um minuto, p*", brinca com o chefe de escolta e
custódia da superintendência da PF, Jorge Chastalo, que acompanha a entrevista
a curta distância do condenado. É ele que frequentemente mede o índice de
glicemia no sangue de Lula, que é pré-diabético.
Confira a seguir a entrevista
completa à BBC News Brasil, em que Lula responde a críticas a ele e ao PT sobre
Belo Monte, fake news, alta do desemprego, Venezuela, entre outras.
_______________
BBC News Brasil – Presidente, seu
governo foi marcado por forte redução do desmatamento na Amazônia, embora tenha
tido alguns momentos de alta, como no início do governo e no ano de 2008.
Naquela ocasião, o senhor criticou tentativas de interferência internacional no
assunto de meio ambiente.
Agora, vemos esse cenário novamente, e o
presidente francês, Emmanuel Macron, chegou a dizer que não descarta um debate
sobre criar um "status internacional" para a Amazônia. O senhor
mantém sua crítica a tentativas de interferência externa nessa questão? O
senhor vê algum risco para a soberania do Brasil na Amazônia?
Luiz Inácio Lula da Silva – Eu vejo um risco da
soberania da Amazônia com o discurso do (presidente Jair) Bolsonaro tentando
colocar o filho dele (Eduardo Bolsonaro) de embaixador nos Estados Unidos, quem
sabe para permitir que indústrias americanas venham pesquisar a Amazônia. Veja,
todos nós brasileiros temos que defender a Amazônia como patrimônio brasileiro.
A Amazônia faz parte do orgulho brasileiro.
Agora, para ela fazer parte do orgulho brasileiro nós
temos que cuidar dela. Cuidar dela não significa transformá-la num santuário da
humanidade. Significa criar condições para que os 20 milhões de homens e
mulheres que moram lá tenham condições de trabalhar, de sobreviver, de ganhar
sua vida, preservando o máximo possível o meio ambiente, levando para lá
política de desenvolvimento que possa permitir cuidar da nossa floresta.
Até porque a grande riqueza que temos lá ainda quase
que inexplorada é a nossa biodiversidade.
BBC News Brasil – O senhor vê algum
problema nas declarações que têm sido feitas por líderes estrangeiros sobre a
Amazônia? Ou são legítimas?
Lula – Primeiro, é importante lembrar que o
Fundo Amazônia foi constituído no meu governo. Isso é uma demonstração de que
eu não tenho nenhum problema de contribuir com outros países para ajudar a
cuidar da Amazônia. Até porque eu dizia: "Se vocês querem ajudar a cuidar
da Amazônia, ajudem para que o país possa ter uma política correta de desenvolvimento
na Amazônia".
Porque você não vai conseguir cuidar da preservação
com as pessoas passando fome, com as pessoas sem ter onde trabalhar, com as
pessoas sem ter rodovia, sem ter espaço para transitar. Então, é preciso fazer
as duas coisas. Eu mantenho as críticas que eu fazia à minha amiga Angela
Merkel (chanceler alemã), ao meu amigo Sarkozy (ex-presidente francês), aos
ingleses. Por que eu mantenho? Porque o nosso comportamento em todos os fóruns
internacionais foi exemplar, exemplar.
O que está acontecendo agora, uma parte das queimadas,
é proposital. Já saiu na imprensa que o Ministério Público do Pará avisou ao
Ibama com três dias de antecedência que por zap (WhatsApp) os fazendeiros
estavam preparando o Dia do Fogo. E não foi tomada nenhuma atitude.
Eu queria te lembrar uma coisa, pega os discursos do
Bolsonaro e do governo dele, eles acham que têm que acabar com terra indígena,
acabar com terra de quilombo, que tem que acabar com reserva (florestal). É um
absurdo.
Quando eu cheguei na Presidência, a ministra era a
Marina da Silva. Ninguém pode dizer que a Marina era uma ministra que não se
preocupava com Meio Ambiente, como ninguém pode dizer isso do Carlos Minc (que
sucedeu Marina como ministro). Nós fomos estruturando o país para que depois de
2005 até a saída da Dilma o país fosse muito respeitado na sua política de
preservação ambiental e no cuidado que a gente tinha com a nossa floresta.
BBC News Brasil – Mas o desmatamento
começou a crescer em 2012, ainda no governo da presidente Dilma Rousseff. O que
foi feito de errado no governo da presidente?
Lula – Eu não sei o que foi feito de errado
no governo da Dilma. Você pode ter um ano que você cresce um pouco a mais um
pouco a menos. Eu tenho até aqui os dados do crescimento, foi muito pouco [Lula
consulta papéis com números do desmatamento na Amazônia]. O crescimento começou
a aumentar, ele foi até, de certa forma, controlado em alguns instantes. Em 2012,
no governo da Dilma, o desmatamento chegou... [Lula olha os números]. Não
cresceu em 2012.
BBC News Brasil – Os dados do Inpe
(Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) para o desmatamento vão de agosto
de um ano a julho do seguinte. O dado de 2013 (que mostra alta do desmatamento)
incorpora uma parte de 2012.
Lula – Então, deixa eu falar,
em 2013 nós tivemos na Amazônia 5,8 mil km² (de desmatamento). Em 2012 havia
4,5 mil km². Foi o mais baixo [recorde histórico de baixa]. Se você vai
comparar um quilômetro com dois quilômetros e meio, cresceu bastante, mas
estamos falando que houve um decréscimo em todo o governo da Dilma [segundo os
dados do Inpe, até meados de 2012]. Começou a crescer em 2015, (o desmatamento)
foi para 6 mil km². Em 2016, foi para 6,8 mil km². 2017, para 7 mil km². Em
2018, para quase 8 mil km².
Em agora em 2019 não temos ainda a quilometragem (de
área desmatada).
BBC News Brasil – Há uma tendência de
crescimento desde 2012.
Lula – Mas é muito pouco.
BBC News Brasil – Gostaria de falar
sobre o impacto da construção da usina de Belo Monte, em Altamira, no Pará. O
senhor em 2010 prometeu, em discurso, que não seriam repetidos os erros das
usinas de Balbina e Tucuruí [usinas localizadas na Amazônia que provocaram
grande impacto ambiental]. No entanto, houve muitos erros na construção de Belo
Monte.
O Ibama não queria liberar a licença
ambiental sem antes revisar os estudos de impacto, e houve uma intervenção no
órgão durante o seu governo para liberação da licença. Essa licença estabeleceu
uma série de condicionantes para evitar que houvesse impactos sociais e
ambientais. Essas exigências foram descumpridas e as licenças continuaram sendo
liberadas. Houve uma ação leniente do Ibama durante seu governo e no governo
Dilma com Belo Monte?
Lula – Posso dizer com sinceridade? Nunca
houve intervenção do meu governo no Ibama. Alguém te deu informação totalmente
equivocada.
[Nota de redação: Em dezembro de 2009, o
diretor de licenciamento do Ibama, Sebastião Custódio Pires, e o
coordenador-geral de infraestrutura de energia elétrica do órgão, Leozildo
Tabajara da Silva Benjamim, deixaram seus cargos devido aos embates envolvendo
a liberação da licença prévia de Belo Monte. Em fevereiro de 2010, a licença
foi concedida com 40 condicionantes para reduzir os impactos sociais e
ambientais. A grande maioria não foi cumprida no prazo, mas o Ibama seguiu
liberando as licenças das fases seguintes de construção e operação da usina.]
BBC News Brasil – Isso foi amplamente
noticiado na época.
Lula – Não houve nenhuma, nenhuma. Eu fui a
Altamira fazer um discurso sobre Belo Monte. E fui mostrar o discurso que se
fazia quando foi feita (a usina de) Itaipu (na fronteira com o Paraguai). Em
74, quando foi feita Itaipu, se dizia que Itaipú ia mudar o eixo da Terra. Se
dizia que o lago de Itaipu não ia conseguir segurar a água, que a água ia
vazar, que ia cair no Japão, sei lá.
Eu fui lá mostrar que a gente estava sendo muito
responsável em Belo Monte, que tinha sido feito todos os acordos que foram
possíveis fazer. A Belo Monte começou a ser construída depois que eu deixei o
governo.
BBC News Brasil – Foi um projeto do
senhor.
Lula –Era um projeto antigo. Belo Monte é um
projeto de 40 anos.
BBC News Brasil – O senhor abraçou esse
projeto.
Lula –Eu abracei não, eu queria fazer. E tenho
orgulho de ter feito Belo Monte, porque esse país precisa de energia. E Belo
Monte é uma hidrelétrica de meio fio, uma hidrelétrica que não tem lago que vai
inundar área desnecessária. A cheia do lago é a cheia da enchente.
BBC News Brasil – Esse é apenas um dos
impactos (causados pela construção de hidrelétricas). Altamira hoje, segundo o
Atlas da Violência, é a segunda cidade em taxa de homicídios do país.
Lula – Mas você está botando a culpa em Belo
Monte? Bota a culpa em quem governa.
BBC News Brasil – Quem estuda esse tema
diz que o grande crescimento de população em Altamira, sem planejamento urbano,
sem planejamento de aumento de segurança, etc, trouxe esse impacto para a
cidade. Assim como para o desmatamento também. É o maior município em desmatamento
do país.
Lula – Mas é assim no mundo inteiro, no
Brasil. São Paulo virou o que virou porque muita gente foi para São Paulo por
causa do êxodo rural. Se Altamira oferecia perspectiva de emprego, houve muita
gente (indo para lá). Agora, para quê tem governo estadual e municipal? Para
cuidar disso.
BBC News Brasil – A questão é que as
licenças ambientais que foram dadas para Belo Monte impuseram condicionantes
(para que os estágios da obra avançassem). Por exemplo, criação de delegacia,
criação de saneamento, criação de postos de controle do desmatamento. E essas
condicionantes não foram cumpridas nos prazos estabelecidos, e o Ibama
continuou liberando as licenças.
Lula –Deixa eu te dizer uma coisa, eu
participei de reuniões que impuseram todas as condicionantes. Quando nós
fizemos as Olimpíadas no Rio de Janeiro, a gente colocava como condicionante,
depois que terminasse as Olimpíadas, fazer com que todos os postos públicos
construídos para as Olímpiadas fossem destinados ao povo. Eu tenho visto
notícia que não tão sendo. Se alguma condicionante não foi cumprida em Belo
Monte, é preciso saber quem está governando a cidade, o Estado, o Brasil, e
fazer cumprir.
BBC News Brasil – A questão, presidente,
é que as condicionantes eram exigências para a liberação das licenças pelo
Ibama. O Ibama, que é um órgão federal, no governo Dilma, continuou liberando
as licenças.
Lula – Não tente culpar a Dilma pelo que está
ocorrendo em Belo Monte hoje. Cada um de nós é responsável pelo período que
governou o país.
BBC News Brasil - O que ela fez no
governo dela tem consequências hoje.
Lula – Se tem problema você conserta. Belo
Monte era uma necessidade do país. Eu duvido que tenha um país no mundo que
tivesse as condições de fazer uma hidrelétrica como Belo Monte que não fizesse.
E alguns fariam ainda com lago, e nós resolvemos fazer sem lago, e um dia vamos
pagar um preço, porque na hora que o Brasil estiver necessitando de energia e
não tiver energia, vão dizer: por que não fez um lago em Belo Monte?
BBC News Brasil – O senhor sempre se
disse orgulhoso por saber ler os desejos do povo. Na sua opinião, o que o povo
quis dizer ao eleger Bolsonaro?
Lula – Eu acho que essa história está mal
contada. Primeiro, o Bolsonaro foi eleito porque esse que vos fala foi impedido
de ser candidato. O grande cabo eleitoral do Bolsonaro foi a minha condenação,
e a decisão da Justiça Eleitoral (impedindo a candidatura de Lula por causa da
Lei da Ficha Limpa).
Segundo, uma parte dos votos (do Bolsonaro) você sabe
que foi à base do fake news, da maior campanha de mentira já conhecida
no Brasil. Eu não sei por que (não fez), mas eu acho que o PT deveria ter feito
uma briga para exigir uma apuração correta sobre a questão do fake news. O PT
aceitou o resultado.
Diferentemente do Aécio (Neves, do PSDB), que não
aceitou o resultado (da eleição em 2014) da Dilma, numa eleição legal, em que
não teve fake news. Então, agora o seu Bolsonaro, ele só tem que
governar. Ele ganhou para governar, ele governe.
Eu, como fui Presidente da República, não sou daqueles
que fica torcendo para as pessoas que governam dar errado, porque quem paga o
pato é o povo. O que eu quero é que ele resolva o problema do povo brasileiro.
Porque estamos há um ano só ouvindo falar em corte e ajuste, corte e ajuste, corte
e ajuste, e não se ouve falar em desenvolvimento, em emprego, em política
industrial. Isso não existe. Então, eu não sei onde vai parar o país.
BBC News Brasil – Concretamente, o PT
escolheu Fernando Haddad para disputar a eleição presidencial (após Lula ter
sido impedido pela Justiça), e o PT foi derrotado. O senhor se arrepende de
alguma forma desse cálculo político? Olhando para trás, acha que poderia ter
adotado outra estratégia?
Lula – Posso te falar uma
história? O PT teve uma votação extraordinária nas condições em que foram as
eleições. Eu, quando vim para cá, eu poderia ter tomado uma outra decisão e não
vir para cá [Lula já disse que poderia ter pedido asilo político em outro
país], mas eu vim para cá. Eu me entreguei à Polícia Federal aqui, porque eu
queria provar todas as safadezas que fizeram comigo, e vou provar, é uma
questão de tempo.
Eu tinha muita clareza do ódio que estava tomando a
sociedade brasileira. A sociedade foi instigada a ser antipolítica durante
muito tempo. Isso aconteceu na Inglaterra com o Brexit (decisão do Reino Unido
de deixar a União Europeia). Então, eu acho que o PT não brigou, o Bolsonaro
está eleito, e ele agora governe. Governe e faça as coisas acontecer.
O PT continua sendo o mais importante partido político
da América Latina, o PT é o mais importante partido político do Brasil, e o PT
sabe que o povo trabalhador espera muito do PT. A gente não tem que ficar
chorando porque perdeu, a gente tem é que reconstruir a próxima vitória, e
tentar tirar o ódio da cabeça das pessoas.
Porque eu comparo o governo Bolsonaro a uma torcida
organizada. Ou seja, você tem um torcedor que é flamenguista, corintiano, que
ele vai no estádio para torcer para o time, mas a torcida organizada fanática,
ela não torce para o time, ela vai vaiar jogador, ela vai no centro de
treinamento bater em jogador, bater em técnico, essa é a turma do Bolsonaro. E
que continua fazendo discurso para essa gente.
BBC News Brasil – O senhor às vezes
também não opta por fazer um discurso muito voltado para sua base mais fiel? O
senhor há poucos meses disse que a facada, da qual o então candidato Bolsonaro
foi vítima, não seria verdade. Gostaria de saber se o senhor genuinamente
acredita que Bolsonaro não sofreu uma facada e no que o senhor baseia esse tipo
de afirmação?
Lula – Não, eu não disse que não tinha tomado,
eu disse que não acreditava (que Bolsonaro levou uma facada). Mas você garante
a mim o direito da dúvida? Veja, eu tenho suspeitas (de que não ocorreu).
Agora, se aconteceu, aconteceu.
BBC News Brasil – Assim como o
presidente Jair Bolsonaro diz que tem suspeitas de que ONGs botam fogo na
Amazônia e fala esse tipo de argumentação sem provas, o senhor acha que
contribui para tornar o ambiente menos radical, menos tóxico de desinformação
ao propalar suspeitas sem indícios de provas?
Lula –Eu falei com muita tranquilidade desde o
dia que aconteceu aquilo, porque não vi sangue. O Bolsonaro deu uma entrevista
assim que chegou no hospital. Ele foi internado, já tinha um senador fazendo
uma entrevista.
BBC News Brasil – A entrevista (ao então
senador Magno Malta) foi depois da cirurgia.
Lula – Eu te confesso que fiquei com muitas
dúvidas, mas se você tem certeza, eu sou até capaz de ter a sua palavra como
veracidade.
BBC News Brasil – Não é questão da minha
palavra. Houve um atendimento na Santa Casa de Juiz de Fora, uma internação no
hospital Albert Einstein, em São Paulo. Sua suspeita se baseia no fato de que
os médicos estão em um conluio para fazer uma encenação?
Lula –Não, não falei isso. Você acredita que
houve a facada?
BBC News Brasil – Acredito.
Lula – Então acredite você, morreu o assunto.
BBC News Brasil – Não morreu o assunto
pelo seguinte, presidente, o senhor é uma liderança muito importante. O que o
senhor fala reverbera. Quando o senhor diz que tem suspeita sobre o ataque, o
senhor não está justamente alimentando radicalismo, fake news?
Lula – Eu tinha suspeita até você me dar
certeza. Então, você veio fazer entrevista comigo e você me convenceu, sabe,
dizendo "eu sou prova de que ele tomou a facada".
BBC News Brasil – Eu não sou a prova.
Estou trazendo a questão sobre o efeito da sua fala.
Lula – Estou acreditando em você. Você pode
passar para a história como a jornalista que convenceu um presidente que ele
estava errado. E foi muito bom.
BBC News Brasil – Não é a minha intenção
aqui. Presidente, hoje a esquerda tem muita dificuldade de fazer oposição, e a
pauta central é o "Lula Livre", é a luta pela sua liberdade. O senhor
acha que é a melhor estratégia de oposição ter a centralidade da pauta
"Lula Livre"? Ou deveria haver outras pautas centrais?
Lula –O que você acha que a oposição deveria
fazer?
BBC News Brasil – Não sei, estou
perguntado ao senhor.
Lula – É que você pergunta com uma
condicionante. Você primeiro me coloca como uma pessoa que está atrapalhando a
oposição a fazer oposição. Veja, eu sou de um partido político, e esse partido
político trabalha a questão do "Lula Livre". Obviamente, tem gente
que acha que não deveria cuidar disso: "o Lula já foi condenado, deixa o
Lula preso e tal".
E sabe por que que o partido me defende? Porque o
partido sabe que sou inocente, porque o partido sabe que o Moro é mentiroso, o
partido sabe que o Dallagnol é mentiroso, o partido sabe que o TRF-4 me julgou
sem ler o meu processo, o partido sabe que o Superior Tribunal de Justiça me
julgou sem ter acesso ao inquérito.
Então, o que eu quero é provar minha inocência. E cabe
ao meu partido, e não aos adversários, você não quer que o PSL faça campanha
"Lula Livre", né? O PSL faz campanha "Lula preso". É o meu
partido que tem que fazer.
E isso não impede que o meu partido tenha apresentado
um programa no Congresso Nacional discutindo política econômica, discutindo
emprego, discutindo política tributária. Acabou de apresentar.
Você deve ter acompanhado isso lá em Brasília, que meu
partido é o que mais faz oposição e oposição coerente, que lutou contra a
reforma da Previdência como ela está sendo feita, que lutou contra o desmonte
da legislação trabalhista. O partido está fazendo oposição toda hora, 24 horas
por dia, mas não impede que o partido me defenda.
BBC News Brasil – Outras lideranças da
esquerda, de fora do PT, criticam essa centralidade da pauta "Lula
Livre"...
Lula – Que lideranças? Eu não sou obrigado a
convencer as lideranças a acreditar naquilo que o PT acredita. Cada liderança
faça o que quiser. Sabe quantos anos o (líder e ex-presidente sul-africano
Nelson) Mandela ficou preso até as pessoas se convencerem de que precisava
soltar? 27 anos. Jesus Cristo carregou uma cruz, o povo gritando, na passagem
dele, e ninguém defendeu ele. Eu tenho o PT que está me defendendo.
BBC News Brasil – Acontece agora a
discussão sobre a sucessão da presidência do partido. Algumas pessoas dentro do
PT já declararam publicamente, como o Washington Quaquá, presidente do partido
no Rio de Janeiro, que consideram que o melhor seria o Fernando Haddad assumir
o comando do PT, porque seria um nome com discurso mais moderado, que falaria
para além da base mais fiel petista. E consideram que a deputada Gleisi
Hoffmann (atual presidente) é o oposto disso. Por que a insistência no nome
dela para presidente do PT, em vez de uma renovação?
Lula – Por que você dá tanto valor a uma fala
do Quaquá, que quer o Haddad, e nenhum valor a minha fala, que quero a Gleisi?
A Gleisi é a melhor pessoa nesse momento para ser a presidenta do PT.
BBC News Brasil – Por quê?
Lula – Porque ela é corajosa, porque ela
defende o PT em qualquer situação, e porque ela provou que foi uma
extraordinária presidente. Eu não estou dizendo para você, eu disse para o
Haddad: "Você não deve ser candidato a presidente do PT. Você virou uma
personalidade pública nesse país. Se você entrar na presidência do PT, você vai
ficar com um carimbo na testa de PT e você não vai ter a amplitude que você
pensa que vai ter".
Quando eu, nas eleições de 1989 virei muito grande,
sabe o que eu fiz? Criei um instituto, saí da presidência do PT, para poder ter
relações com outras pessoas. Por isso que eu acho que o Haddad não pode ser
presidente do PT, porque o Haddad teve uma representação maior do que o
partido. Ele precisa conversar com essa sociedade além do PT que votou nele e
ele não pode estar com um carimbo do PT. Ele tem que ser uma personalidade.
É simplesmente por isso que eu pedi para o Haddad não
ser presidente e pedi para o partido que a Gleisi Hoffmann é a pessoa que tem
mais competência hoje para ser presidente do partido.
BBC News Brasil – A entrevista é
justamente para trazer as críticas para o senhor responder.
Lula – Eu sei. Você não tem veto, pergunta o
que você quiser.
BBC News Brasil – Alguns críticos também
dizem que o PT deixou de ter esferas democráticas, não faz eleição para a
presidência do partido. Tudo passa pelo senhor. O senhor decide que não vai ser
o Haddad, e vai ser a Gleisi. O senhor não fica como espécie de dono do PT, que
decide tudo? Claro que o senhor tem muita visão política, mas as decisões não
estão muito centralizadas nas suas mãos?
Lula – De vez em quando você vai ter que
conversar com uns amigos meus, você só conversa com alguns inimigos [fala em
tom de brincadeira]. Eu há muito tempo que não participo de reunião do PT, mas
desde que o PT nasceu eu me considero petista como a unha com a carne. Eu tenho
interesse pelas coisas do PT e, naquilo que eu sou consultado, eu tenho
opinião.
Eu tenho opinião para defender o PT como maior partido
de esquerda da América Latina, quiçá (do mundo), só não é do mundo por causa do
Partido Comunista Chinês. Mas não tem nenhum partido similar ao PT. O partido é
muito forte, é por isso que tem um ódio contra o PT. O PT não é odiado pelas
coisas más que ele fez. É odiado pelas coisas boas. E toda vez que eu posso dar
um palpite no PT, eu dou.
Quando houve o colégio eleitoral, eu era contra
expulsar deputado do PT que furou o colégio eleitoral. Eu perdi, o PT expulsou.
E eu me contentei. Eu era favorável que a gente tivesse no país o
parlamentarismo. Quando chegou na Constituinte, o PT fez uma prévia interna,
uma votação, mais de 80 mil pessoas votaram, e eu perdi, e eu acatei.
Então, no PT a gente perde e a gente ganha, porque o
PT é um partido altamente democrático. Se eles quiserem tomar uma decisão, eles
tomam uma decisão, eu não preciso nem ouvir, posso nem saber.
Entretanto, quando os companheiros do PT decidem
mandar notícias para mim, é porque há uma relação de confiança entre eles e eu.
E eu acho isso muito bom, porque eu sempre tive muita confiança no PT.
BBC News Brasil – O senhor está falando
da força do PT. O partido conseguiu, mesmo desgastado, chegar ao segundo turno
da eleição presidencial de 2018. Mas, por outro lado, o PT teve um encolhimento
muito grande no número de prefeituras na eleição de 2016. O bom desempenho de
2018 também ficou muito localizado no Nordeste. Como será estratégia do PT para
se recuperar disso? Como vão furar a bolha do antipetismo, por exemplo,
mantendo na presidência uma pessoa com discurso mais radical?
Lula – A importância da democracia é a
possibilidade dessa alternância de poder que ela permite. Em 1980, eu fui fazer
greve contra a Margaret Thatcher [então primeira ministra britânica pelo
Partido Conservador]. Na época, parecia que ela era invencível. E logo depois
apareceu o Partido Trabalhista, e ganhou. Depois parecia que o Tony Blair
(primeiro ministro do Partido Trabalhista) era invencível. Logo aparece outra
pessoa e derrota ele [na realidade, Tony Blair decidiu não concorrer a um
terceiro mandato e foi sucedido por Gordon Brown, também do Partido
Trabalhista.] É assim a democracia.
O PT (em São Paulo) já ganhou com a Marta (Suplicy,
ex-prefeita), já perdeu, já ganhou com o Haddad (também ex-prefeito), já
perdeu. Mesmo na Presidência, um dia o PT tinha que perder. O que eu lamento é
que não tenham deixado o PT disputar com sua força toda. O PT, esqueça a
eleição de 2012, ela acabou, esqueça a de 2016, ela acabou. Vamos pensar na
eleição de 2020. O PT precisa escolher um candidato, e disputar as eleições ou
fazer aliança política. O PT é o único partido enraizado nas entranhas do povo
brasileiro.
BBC News Brasil – Sobre as eleições
municipais de 2020, uma reportagem da revista Veja indicou que o senhor
defendeu uma aliança nacional com PSB, PDT, PCdoB e PSOL na qual o partido que
tiver o candidato com mais chances de vitória receberia apoio dos demais. Isso
é verdade? Como estão essas conversas para 2020?
Lula –Eu nunca dei entrevista para a Veja, e
nunca acredito na revista Veja. A Veja eu considero um lixo.
BBC News Brasil – Eles ouviram
interlocutores do senhor. Como está essa articulação entre os partidos?
Lula – Eu acho que o PT tem que fazer aliança
política e o PT tem que trabalhar sabendo que alguns momentos a melhor opção
não é a candidatura do PT, é a candidatura de outros partidos políticos. E o PT
fazer aliança. Nós já cansamos de fazer. Nós já apoiamos outros candidatos em
Porto Alegue, já apoiamos outro candidato em outras cidades. Não tem nenhum
problema.
Em São Paulo, se o PT não tiver um candidato e algum
partido aliado tiver um bom candidato, o PT tem que fazer aliança. E vale para
(a eleição para) Presidente da República (em 2022). Se o PT tiver um partido
que tem um candidato melhor do que o PT, por que não apoiar o candidato?
Aliança não vale só quando o PT está na cabeça, vale quando os outros também
podem estar na cabeça.
Agora, o que não pode é o PT aceitar a ideia das
pessoas não gostarem do PT porque o PT é muito grande. Olha, que culpa tem o
PT? O PT (nas disputas presidenciais) foi o segundo em 89, o segundo em 94, foi
o segundo em 98, foi o primeiro em 2002, foi o primeiro em 2006, foi o primeiro
em 2010, foi o primeiro em 2014, e seria o primeiro em 2018, mas foi o segundo
outra vez.
Olha, que culpa tem o PT se, desde 1989, o PT está em
primeiro ou segundo lugar em todas as pesquisas feitas no país em todas as
disputas (presidenciais)? O PT, se você pegar as eleições estaduais, têm vários
Estados em que o PT apoia candidato de outros partidos políticos. É assim.
Agora, o PT é muito grande.
BBC News Brasil – Então, no próximo ano,
o PT pode não ter candidato em São Paulo?
Lula – Pode, pode. O PT sabe o que eu penso. O
PT tem muita gente em São Paulo, muita gente. Agora, é importante saber quem
vão ser os adversários. Eu disse para o Haddad que ele não deveria ser
candidato a prefeito de São Paulo, porque acho que ele saiu muito grande do
processo eleitoral. Nós precisamos cuidar do Haddad para conflitos políticos
maiores.
Acho que o PT tem que medir qual a chance que tem de
construir aliança, qual a chance de sair sozinho. Não apenas em São Paulo. Tem
que pensar no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais, em
Pernambuco, no Brasil inteiro. E fazer aliança para mim não é um questão de
princípio, é uma questão de conveniência política momentânea.
BBC News Brasil – O site The Intercept
Brasil noticiou essa semana que procuradores da Lava Jato comentaram de forma
desrespeitosa mortes de seus familiares em um grupo de conversa do Telegram. Um
deles, a procuradora Jerusa Viecili, pediu desculpas ao senhor pelo Twitter.
Ela escreveu: "Errei. E minha
consciência me leva a fazer o correto: pedir desculpas à pessoa diretamente afetada,
o ex-presidente Lula". O senhor aceita essas desculpas?
Lula – Eu penso que ela deveria pedir
desculpas ao povo brasileiro, pelo mal que eles causaram aos milhões e milhões
e milhões de brasileiros que perderam o emprego. Eu sou um homem muito maduro,
não guardo mágoas. O fato de ela dizer que está arrependida, é muito bom a
pessoa se arrepender. Uma coisa que no Brasil as pessoas perderam. No Brasil, a
palavra desculpa parece que tinha desaparecido do dicionário.
Então, quando as pessoas começam a se arrepender das
bobagens que fizeram é um bom sinal. Significa que a humanidade ainda tem
chance de se recuperar.
Eu acho que esse pessoal da Lava Jato, essa
força-tarefa, eles foram mordidos pela mosca azul. A pior coisa do planeta
Terra que foi feito foi o pacto feito pela (Rede) Globo com a Lava Jato. Passem
qualquer mentira, não importa, que a gente vai transformar tudo em verdade.
E a Globo é um dos meios de comunicação que disseminou
o ódio nesse país desde 2013. O ódio não é de graça não. Então, o que eu fico
pensando: se essa pessoa pediu desculpas, espero que outras pessoas peçam
desculpas. Eu espero que um dia o Moro fale assim, "Ô presidente
Lula...", mesmo que eu já tiver morrido, não tem problema, ele vai dizer
"... eu quero pedir desculpas porque eu fui um canalha no voto que eu dei
no processo dele. Eu não fui juiz".
O Dallagnol poderia dizer a mesma coisa:
"Presidente Lula, aquele PowerPoint que eu fiz, aquela melancia, que eu
apresentei na televisão, eu quero pedir desculpas, eu menti."
BBC News Brasil – Mas o senhor aceita o
pedido da procuradora?
Lula –Ela não fez para mim, ela fez para o
Twitter. Como ela acusou sem pedir, ela fez o pedido de desculpas sem
consultar, é um problema dela.
BBC News Brasil – O Supremo Tribunal
Federal ainda vai decidir sobre a legalidade dos processos contra o senhor, a
defesa aponta o que considera como uma série de abusos. Para além dessa
discussão, eu gostaria que o senhor respondesse sobre alguns elementos
concretos que indicam possíveis crimes ou desvios éticos que o senhor possa ter
cometido.
Lula – Ah, me conta porque eu não sei. Que bom
que você tenha.
BBC News Brasil – No caso do sítio de
Atibaia, o senhor reconheceu em depoimento que por alguns anos foi o principal
usuário da propriedade. E também ficou comprovado que houve obras pagas por
empreiteiras. Por que as empresas pagaram essas obras?
Lula – Você sabe que eu ocupei o Palácio do
Planalto por oito anos e nem por isso ele é meu. Eu ocupei a Granja do Torto
por oito anos e nem por isso ele é meu.
BBC News Brasil – Empreiteiras não
pagaram por obras...
Lula –Fizeram, fizeram. Se você for ver a
reforma que houve no Palácio da Alvorada, a Abdib (Associação Brasileira da
Infraestrutura e Indústrias de Base) fez uma reforma para a União que eu
agradeci de coração, porque aquilo estava esquecido. Então, deixa eu lhe falar.
Eu não estou prestando depoimento, estou dando uma entrevista. O que eu deveria
falar, eu já falei.
Eu comecei dizendo que o sítio não era meu, e comecei
dizendo que não era meu porque o sítio não era meu. O sítio tem dono (Fernando
Bittar, amigo de longa data de Lula), o dono pagou com cheque administrativo (a
compra do sítio). Tudo isso está na mão dos procuradores, os procuradores
inventaram história, inventaram história, até descobrir que teve reforma.
Eu fui conhecer o sítio dia 15 de janeiro (de 2011).
Se o sítio não é meu e fizeram reforma, quem fez a reforma e o dono do sítio é
que tem que explicar, não sou eu. Eu não posso ser condenando porque foi feito
uma reforma numa coisa que não era minha.
Agora, eles começaram mentindo dizendo que o sítio era
meu, eu depois que disse que o sítio não era meu, criaram a questão da reforma,
e todo o objetivo deles, a obsessão deles aqui em Curitiba, era tentar envolver
a Petrobras para trazer esse processo para cá, porque esse processo poderia ter
sido julgado em São Paulo.
Eles fizeram com o sítio a mesma canalhice que fizeram
com o apartamento (caso Tríplex do Guarujá). Eu estou dizendo que o apartamento
não é meu, estou dizendo que o apartamento não é meu, eu não comprei o
apartamento, eles sabem que eu não comprei. Eles inventaram uma relação do Léo
Pinheiro com a Petrobras para trazer o caso para cá.
[Nota da redação: Pelo princípio
constitucional do juiz natural, os dois processos deveriam ter sido julgados em
São Paulo. No entanto, por autorização do Supremo, todos os casos da Operação
Lava Jato que supostamente envolviam desvios da Petrobras foram direcionados
para a 13ª vara de Curitiba, chefiada até novembro passado pelo ex-juiz Sergio
Moro.]
BBC News Brasil – Ainda que obras de
empreiteiras tenham sido feitas sem pagamento no Palácio do Planalto, essas
obras ficaram como doação ao Estado brasileiro. No caso do processo de Atibaia,
seriam obras custeadas por empreiteiras que ficaram como doação para um sítio
que o ex-Presidente da República Lula frequentava constantemente. Há uma
diferença.
Lula – Olha, eu quando for na sua casa e tiver
uma obra, não pense que eu vou perguntar quem fez a reforma.
BBC News Brasil – Eu não sou
ex-Presidente da República.
Lula – Nem vou abrir sua geladeira. E pelo
fato de eu ser ex-Presidente da República é que eles deveriam ter pensado
diferente. Eu não era mais homem público, não tinha mais cargo. Eu vou ser
ex-Presidente da República a vida inteira. Então, se eles querem me condenar
por isso, eles que digam que é isso.
BBC News Brasil – O fato de o senhor ser
ex-Presidente da República e ser a maior liderança da esquerda no Brasil não
mantém o senhor com uma série de responsabilidades para a vida inteira?
Lula – Acho bom você dizer isso pros outros,
que eu sou a maior liderança de esquerda do Brasil.
BBC News Brasil – Acho que não há
dúvidas sobre isso.
Lula –Deixa eu te dizer uma coisa, eu fui
presidente por oito anos, eu fui presidente do PT por treze anos, eu fui o
deputado constituinte mais votado do Brasil. Eu fui o presidente de sindicato
mais importante do Brasil. E eu duvido que em algum momento da minha história
política alguém tenha encontrado um crime que eu tenha cometido.
Então, agora a minha situação é a seguinte: eu não sou
um cara reto no meu comportamento porque eu sou ex-presidente. Eu sou assim
porque dona Lindu (mãe de Lula), uma mulher que nasceu e morreu analfabeta, uma
mulher que cuidou de 12 filhos, essa mulher, me deu educação. Então, eu tenho
um comportamento reto. Quando eu era presidente, você nunca me viu jantando na
casa de alguém, você nunca me viu num casamento, você nunca me viu num
aniversário, porque foram oito anos de celibato meu dentro da Presidência.
E vou ser assim, eu sou assim, essa é a minha vida.
BBC News Brasil – Ontem, o STF tomou uma
decisão importante ao anular a condenação do Aldemir Bendine (ex-presidente do
Banco do Brasil) pelo ex-juiz Sergio Moro, por considerar que houve ilegalidade
no processo. O senhor se sente mais esperançoso em relação aos seus recursos
que serão analisados no Supremo?
Lula – Eu não vou ficar analisando
comportamento da Suprema Corte. A única coisa que eu peço é o seguinte, eu
tenho vários processos, as pessoas têm que condenar um ser humano com base nas
provas. Se você não tiver prova, o ser humano é inocente. Eu tenho provado a
minha inocência desde o primeiro processo.
Eu acho que a Suprema Corte precisa dar um freio de
arrumação na casa, porque houve um momento em que o Moro, o Dallagnol e mais a
equipe da força-tarefa pensavam que eram donos do Brasil. Eles ameaçaram a
Suprema Corte, eles ameaçaram o nosso ministro da Suprema Corte (Teori
Zavascki) que morreu, eles ameaçaram o (ministro do STF Edson) Fachin, eles
ameaçaram a Câmara, eles ameaçaram o Senado, eles ameaçaram a Presidência. Eles
qualquer coisa ameaçavam fazer greve de fome. Eles se acharam donos do mundo.
O que eu acho que a Suprema Corte tem que fazer? Tem
que se debruçar sobre o processo (os casos da Lava Jato), tudo que foi certo,
tudo que foi julgado corretamente, que houve investigação, que houve apuração e
que provou que cometeu crime, tem que condenar. Agora, tudo aquilo que a
Suprema Corte analisar e descobrir que houve falha (no processo), que a pessoa
é inocente, que a pessoa foi acusada equivocadamente, tem que absolver. É só
isso
BBC News Brasil – O senhor não acha que
deve ser anulada toda a operação Lava Jato?
Lula – Não, eu acho que a operação Lava Jato
tem coisas que foram verdade, tem pessoa que confessou. Se o cara confessou que
roubou, o cara é ladrão. E é só pegar os delatores, porque ficou fácil roubar
no Brasil. O cara rouba, vem aqui, delata quem roubou, fica com metade e tá
livre? Só falta começar a colocar pulseira de ouro no pé das pessoas, pra pessoa
colocar no testamento a pulseira de ouro.
Não, eu acho que tem que ter seriedade. Se o cidadão,
Luiz Inácio Lula da Silva, cometeu um delito, e tem prova que ele cometeu um
delito, não adianta o seu Lula falar grosso, ele tem que ser condenado e tem
que ser punido como qualquer cidadão. Assim reza a nossa Constituição.
Mas se esse Luiz Inácio Lula da Silva, depois de todas
as provas for inocente, humildemente, tem que ser inocentado. E é isso que eu
espero deles.
BBC News Brasil – Presidente, faltam dez
minutos (para o fim da entrevista). Tenho mais dois temas que eu queria abordar
com o senhor. Agora, economia.
Lula – Essa era o tema mais importante, achei
que você ia falar mais de economia.
BBC News Brasil – O senhor e outras
lideranças do PT constantemente chamam atenção para o sofrimento dos
brasileiros com a alta do desemprego. No entanto, o IBGE mostra que os anos de
maior disparada das taxas de desemprego foram 2015 e 2016, período governado,
na sua maioria, pela presidente Dilma Rousseff. Foram também os anos recentes
de maior queda do PIB. Como que os senhores não se responsabilizam pelo cenário
atual?
Lula – Presta atenção: dezembro de 2014,
presidente Dilma Rousseff, o Brasil tinha o menor índice de desemprego da
história desse país. O Brasil parecia a Dinamarca, parecia a Noruega, a
Finlândia, de tão pouco que era o desemprego nesse país. Teve a eleição. A
Dilma, na minha opinião, tinha cometido um equívoco. Entre 2011 e 2015, o
companheiro Guido Mantega (ex-ministro da Fazenda) fez uma desoneração de R$
540 bilhões de reais.
Nenhum empresário veio a público dizer isso, mas o
governo fez uma desoneração de R$ 540 bilhões. Para quê? Para que as indústrias
continuassem gerando emprego, e para que a Dilma continuasse podendo cumprir os
compromissos da política social. Então, (isso era) dezembro de 2014. Olha o que
aconteceu depois: na hora que você percebe que tem que fazer um ajuste, a Dilma
percebeu, ela mandou uma medida provisória para acabar com a desoneração. O
Congresso não aceitou. O Congresso elegeu no começo de 2015 quem? Eduardo Cunha
para a presidência da Câmara.
Faça um paralelo: Fernando Henrique Cardoso e Dilma.
Quando o Fernando Henrique Cardoso quebrou o Brasil duas vezes, em 2009 [Lula
quis dizer 1999] ele mandou uma reforma. Ele tinha na presidência da Câmara o
(então deputado Michel) Temer, que resolveu aprovar as reformas imediatamente.
E o Brasil começou a sair da crise. A Dilma teve de presente o Eduardo Cunha
como presidente. Que cada coisa que a Dilma mandava, ele triplicava. A Dilma
mandava (proposta para) desonerar esse copo, ele desonerava tudo (reduzindo as
receitas do governo).
Até (o setor de) comunicação, até a Globo acho que foi
desonerada em alguma coisa. Então, na verdade, era uma agenda bomba todo dia
contra a companheira Dilma, que não conseguiu implementar nenhuma mudança que
ela queria fazer.
Se tinha desemprego em 2015, a Dilma sabia e ela
começou a tentar propor a reforma, nenhuma reforma foi votada e de lá pra cá,
derrubaram ela com base em uma mentira e só piorou. Eu, quando entrei no
governo em 2002, a inflação estava quase 12%, tinha desemprego pacas, o Brasil
devia US$ 30 bilhões ao FMI, eu não fiquei culpando o Fernando Henrique
Cardoso, não.
BBC News Brasil – O senhor sempre falou
em herança maldita.
Lula – Eu disse (que tinha) a herança maldita
e fui trabalhar. E quando saí da Presidência da República o Brasil tinha gerado
22 milhões de empregos, nós tínhamos US$ 378 bilhões de reserva, e o Brasil era
o país de maior credibilidade internacional. Então, é o seguinte, quando o
cidadão ganha (a eleição)... Nós já temos quatro anos que cassaram a Dilma, já
era para ter consertado esse país.
BBC News Brasil – O senhor falou em
entrevista recente que defendeu que o PT apoiasse outro nome de dentro do PMDB
na eleição para presidência da Câmara de 2015 para tentar derrubar a
candidatura do Eduardo Cunha. O PT decidiu lançar seu próprio candidato e
perdeu. Não houve então erros do PT que contribuíram para o que aconteceu?
Lula – Mas quantos erros você cometeu essa
semana na sua vida, eu cometi na minha. Eu fui alertar o PT que era humanamente
impossível, matematicamente impossível o PT disputar a presidência da Câmara em
2015. Fui numa reunião com vários deputados do PT, coloquei meus argumentos: "se
vocês quiserem derrotar o Cunha, a única coisa que podem fazer é pegar alguém
do PMDB e lançar como candidato para derrotar o Cunha".
No PT, tinha companheiro que achava que não. Que
achava que nós vamos ganhar. Eu tinha noção que havia já um antipetismo dentro
da Câmara, e que era impossível o PT ganhar. E o que aconteceu? Deu o que eu
pensei que ia dar. Agora, também não vou ficar dizendo: "tá vendo, eu tava
certo, tá vendo". Não, perdeu, perdeu, paciência. Agora, mesmo sendo o
Cunha, o Presidente da República precisa se relacionar com o outro poder.
Eu estava no Suriname quando o PT perdeu a presidência
da Câmara (em 2005) para aquele companheiro de Pernambuco, o Severino
Cavalcante (PP-PE). O nosso candidato era o (Luiz Eduardo) Greenhalgh (PT-SP),
o Virgílio (Guimarães, também do PT, que se lançou como candidato avulso)
disputou com o Greenhalgh. O Greenhalgh ganhou no primeiro turno com não sei
quantos votos e imaginava que ia dobrar no segundo turno.
No segundo turno, nem os votos do Virgílio votaram no
companheiro Greenhalgh. Ele perdeu para o Severino. Eu levantei de manhã tinha
um bilhete na porta do meu quarto assim: "Presidente, Severino ganhou as
eleições".
Você acha que eu ia ficar com raiva? Não, peguei o
telefone e liguei pro Severino: "Companheiro Severino. Estou no Suriname e
estou regressando ao Brasil, quando eu chegar o primeiro café da manhã é com
você".
Olha, se o Eduardo Cunha ganhou as eleições, o PT
deveria ter estabelecido uma relação sabendo que ele é um outro poder. A gente
não pode fazer do nosso comportamento na política apenas uma questão de
princípio. E não era só a Dilma que tinha que fazer, ela tinha a coordenação
política. Ela tinha a Casa Civil (comandada na época por Aloizio Mercadante).
Se nós erramos nesse trato, nós pagamos o preço, paciência.
BBC News Brasil – Presidente, última
pergunta, faltam poucos minutos para terminar e eu queria falar de Venezuela
com o senhor.
Lula – Pede uma concessão para ele de um
minuto, p*! [o presidente se refere em tom de brincadeira ao chefe de escolta e
custódia da superintendência da PF, Jorge Chastalo, que acompanha a
entrevista.]
BBC News Brasil – Presidente, o senhor
falou recentemente em entrevista o seguinte sobre Venezuela: "Não é que eu
ache que o (presidente Nicolas) Maduro está fazendo a coisa certa. O povo da
Venezuela é que tem que tomar conta do Maduro". No entanto, o povo da
Venezuela parece estar em frangalhos, passando fome, fugindo do país aos
milhões. Como o povo venezuelano pode resolver isso sozinho? O senhor e outros
líderes de esquerda importantes não deveriam pressionar pela realização de uma
eleição chancelada por organizações multilaterais para que haja uma evolução da
situação da Venezuela?
Lula –Você é muito nova, um dia você pode
virar presidenta também. Então, eu vou te dizer como se deve comportar um
presidente.
Eu, em janeiro de 2003, eu fui à posse do presidente
do Equador. Na época, era um coronel do Exército chamado (Lucio) Gutiérrez, e
nessa reunião o (ex-presidente da Venezuela Hugo) Chávez estava num conflito
com os Estados Unidos. Eu chamei o Chávez para uma reunião e propus construir
uma coisa chamada "Grupo de Amigos da Venezuela", um grupo de pessoas
que pudesse conversar e tentar encontrar uma solução com a oposição. E eu
sugeri ao Chávez que entrassem os Estados Unidos e à Espanha.
A Espanha primeiro, porque o (José María) Aznar tinha
sido o presidente da Espanha que tinha reconhecido o golpista da Venezuela
[Chávez acusava Aznar de apoiar a tentativa de golpe contra ele 2002, o que o
espanhol negava]. E o Bush, porque o Chávez falava para todo mundo que o Bush
que tinha dado o golpe na Venezuela [Lula também se refere ao levante de 2002].
O Fidel Castro ficou muito nervoso e achou que
estávamos entregando a Venezuela para os Estados Unidos. Eu tive uma reunião
com o Fidel Castro e mostrei que só era possível ter um acordo se tivesse uma
mesa de negociação com as pessoas que o Chávez não gostasse, mas que a oposição
gostasse. Por isso, os Estados Unidos, e por isso, a Espanha.
O resultado é que nós tivemos um belo acordo. Os
americanos colocaram o Colin Powell (então Secretário de Estado dos EUA) para
participar das negociações, o Celso Amorim (chanceler do governo Lula) participou
pelo lado brasileiro, e o dado concreto é que nós fizemos uma paz tranquila na
Venezuela.
BBC News Brasil – O senhor concorda
então que tem que ter participação de autores externos? Que não é só o povo
venezuelano que vai conseguir resolver a crise?
Lula – Sabe o que eu fico chateado, é que uma
pessoa culta como você, é capaz de ver todos os erros do Maduro e não fala nada
do embargo americano. O embargo americano chama-se genocídio!
Porque quando um país ganha uma batalha numa guerra,
ela matou soldado. Mas quando você faz embargo num país como os americanos
estão fazendo em Cuba há 60 anos, estão fazendo agora (na Venezuela), fizeram
no Irã, você está matando crianças, mulheres e velhos.
É preciso que os americanos parem com essa história de
embargo e de ameaçar o mundo inteiro. E eu acho que quem tem que resolver o
problema da Venezuela, é o povo da Venezuela numa eleição. Agora, não dá para a
estupidez de apoiar um tal de Guaidó [Juan Guaidó é presidente da Assembleia
Nacional da Venezuela e se autoproclamou presidente do país, com apoio de
diversas nações, inclusive o Brasil.]
Por Deus do céu, se essa moda pega, ninguém vai
respeitar mais eleição em lugar nenhum.
Imagina os Estados Unidos apoiando (qualquer um) como
o Guaidó. Um candidato que mundo achou que deveria ser candidato por quê? Ele
não disputou as eleições.
BBC News Brasil – Ele é presidente da
Assembleia Nacional da Venezuela.
Lula – Mas não era Presidente da República.
Tem que parar com isso. Eu achei uma pequenez do mundo, inclusive do Brasil. O
Brasil é um país que pode ser gestor da paz aqui na América Latina, se tiver
gente que queira paz. O Brasil chegou a ter um superávit comercial de quase US$
5 bilhões com a Venezuela. O Brasil tem que ter um carinho muito grande com a
Venezuela.
Eu passei muito tempo de minha vida telefonando pro
Chávez e o (Álvaro) Uribe (ex-presidente colombiano) para manter a paz entre a
Colômbia e Venezuela. Só para você ter ideia, a Condoleezza Rice (ex-Secretária
de Estado dos EUA) fez uma crítica no jornal Miami Herald contra o Chávez, e o
Chávez foi para a rua fazer uma passeata contra os americanos, eu liguei pro
Bush.
Liguei e falei: "Bush, se você quer que o Chávez
não faça passeata contra você, manda a sua secretária parar de escrever bobagem
contra ele nos jornais americanos". Sabe, pega o telefone, liga e conversa
pessoalmente.
A maioria das brigas é por falta de conversa. O papel
do Bolsonaro não era ficar falando a quantidade de asneira que ele falou ou o
seu ministro (das Relações Exteriores, Ernesto Araújo), era ter pegado o
telefone e ter ido falar com o Maduro. Tem coisa para dizer, diga na cara do
presidente. Não fica brigando da forma mesquinha, pequena, medíocre que foi
feita.
BBC News Brasil – Infelizmente nosso
tempo acabou.
Lula – Porque você quer, eu estou aqui, eu não
estou nem vendo eles [Lula brinca com os agentes da PF e provoca risos entre os
presentes.]
BBC News Brasil – A Polícia Federal
fixou este horário.
Lula – Eles não vão te prender. Eles podem me
tirar daqui (da sala de entrevista). Mas deixa eu falar uma coisa, o Brasil tem
um papel muito importante na América do Sul, na África. O Brasil tem que tomar
cuidado, porque o Brasil era muito respeitado. Agora, quando você tem um
governante que não se respeita, também ninguém respeita. Política é feita por
seres humanos. Você conversa, dialoga.
O Brasil tem que perceber que a Venezuela é
importante. Essa bobagem que o Bolsonaro acredita, na bondade dos Estados
Unidos. Não tem um momento histórico em que os Estados Unidos fizeram um gesto
de bondade para o Brasil. Não tem um, desde a Independência americana. O Brasil
tem que acreditar é na sua força, é no seu povo, é na sua soberania, é na sua
criatividade, e não ficar achando que alguém vai resolver o problema da nossa
incompetência. Eu acho que o Bolsonaro tem que parar de falar bobagem e começar
a governar esse país.
BBC News Brasil – Presidente, obrigada
por ter recebido a BBC para essa conversa. Espero que tenhamos outras
oportunidades no futuro de fazer novas entrevistas com o senhor.
Lula – Olha, eu estou sempre à disposição.
Espero que você tenha feito todas as perguntas que você queria fazer, e
desculpa se não lhe respondi de agrado todas as suas perguntas. Muito obrigado.