quarta-feira, 24 de maio de 2017

COIMBRA – a discreta sombra de um labirinto



COIMBRA – a discreta sombra de um labirinto

Vai sendo mais audível o tinir das espadas. Aproximam-se os combates autárquicos. A parte dos Cidadãos por Coimbra (CpC) que melhor se harmoniza com o Bloco de Esquerda deu recentemente um importante passo na materialização da sua candidatura, quando anunciou grande parte das suas listas candidatas ás próximas eleições autárquicas.

A sua ambição é  robusta. Propõe-se passar a ser a terceira força no âmbito concelhio de Coimbra, para o que quer triplicar o número de vereadores que antes elegeu. Isso já seria uma progressão espantosa, mesmo que tudo lhes tivesse corrido de feição durante o quadriénio. Mas não foi isso que aconteceu. Ainda,recentemente, foi tornada pública uma cisão ocorrida no seu seio, que a fez perder a quase totalidade dos seus elementos com maior notoriedade pública, entre os quais o seu vereador e os seus deputados municipais. Subsistiram, como elementos com notoriedade pública, os expoentes mais destacados do Bloco de Esquerda no concelho. Por isso, à primeira vista, percebe-se mal por que razão  o BE não se  submete ao sufrágio dos eleitores de Coimbra, sem recorrer ao véu difuso, ainda que virtuoso, dos CpC. 

Tendo tudo isto em conta, o ambicioso desígnio da triplicação dos vereadores  podia ser simplesmente  considerado como um artifício de propaganda, decerto ousado,   mas algo irrealista e, diga-se sem acrimónia,  um tanto caricato. Mas não é um artifício aleatório. No fundo, parece destinar-se a projectar   uma imagem dos CpC que sugira  um potencial efectivo de participação no poder municipal.

Esse quase milagre da triplicação dos vereadores não é por isso uma simples bravata, tão comum em disputas eleitorais. Pelo contrário, é o elemento chave de uma estratégia. Eles querem três vereadores para partilharem o governo do município. Não um governo qualquer,  mas uma solução governativa autárquica  que envolva o PS e a CDU. Registe-se que estes CpC não parecem ter sido contaminados por uma vertigem de serviço público tão forte que os levasse a ser aliciados por um moreirismo qualquer, ainda que atenuado por um leve perfume de choupal. Mas é precisamente a sua louvável virtude geringoncista que os coloca num difícil labirinto.

Na verdade, três vereadores são obra, mas não são suficientes para que os CpC elejam eles próprios o Presidente. E, tendo em conta o peso eleitoral das várias forças politicas de esquerda, revelado em anteriores eleições, o mais provável  é que a sugestão geringoncista , em que almejam participar,  implique a eleição para Presidente do candidato do PS. Ou seja, a sugestão dos CpC pressupõe a vitória do PS.

E aqui é que está o busílis. Na verdade, uma das dificuldades que apresenta essa linha de orientação resulta do facto de só poder haver uma solução geringoncista na vereação de Coimbra, se o PS fizer eleger para Presidente o seu candidato. Se assim não for, teremos, pela força das coisas, um governo municipal de direita, nada podendo fazer contra isso os hipotéticos três futuros vereadores dos Cidadãos. Pela força das coisas,o seu êxito relativo representaria necessariamente uma derrota absoluta do seu principal  desígnio: uma geringonça autárquica. 

Esse hipotético e glorioso  trio correria o risco de implicar pois, em si mesmo, uma vitória da direita em Coimbra. E sendo assim os CpC, em tese, teriam que optar entre continuar fora dessa maioria autárquica ou venderem a alma ao diabo [como certamente diria um conhecido Coelho], fazendo assim as pazes com a direita, com os delegados municipais da gente da troika, que à escala nacional certamente combate. Seria para mim uma enorme surpresa se os CpC não optassem pela primeiro hipótese.

Ou seja, os CpC arriscar-se-iam-se a contribuir para um resultado autárquico em Coimbra que prejudicaria grandemente a solução política nacional que eles próprios defendem, beneficiando em Coimbra aqueles que eles combatem no plano nacional. É um pouco estranho. Um verdadeiro labirinto.

Na prática, embora não o  digam (e mesmo que o não desejem), propõem-se tudo fazer para derrotar o PS em Coimbra, dando assim a Presidência da Câmara à direita, para logo de seguida, se não o conseguirem, se proporem  governar a autarquia em aliança com quem tudo fizerem  para ver derrotado. Lutam pela derrota do PS, mas precisam da sua vitória para dar corpo à via política que preferem. Grande agilidade, grande paradoxo.

Vê-se assim que, como acontece com várias outras forças políticas, os CpC têm certamente propostas interessantes e desígnios legítimos. Pode até talvez dizer-se que têm alguma agilidade no rendilhado dos pequenos  detalhes,  cultivando uma respiração de novidade que  querem aberta. Mas quanto ao essencial  a linha de orientação estratégica deixaram-se enredar num labirinto, cuja saída se não vislumbra. Na verdade, se tivessem êxito, obteriam afinal um resultado que seria  um golpe profundo naquilo que eles próprios defendem à escala nacional.

Ora, em política, quem se deixe encerrar num qualquer  labirinto pode andar muito, mas avançará sempre pouco, arriscando-se a não sair do mesmo sítio. E quando, como hoje, vivemos um verdadeiro tempo de avançar, é indispensável evitarmos o labirinto das nossas pequenas razões, das nossas motivações paroquiais, por mais legítimas que elas nos possam parecer, para podermos caminhar. 

E como última observação: se realmente o BE tem alguma proposta política a fazer ao PS, ao PCP e aos Verdes, no sentido de repercutir no município de Coimbra um acordo que reproduza aquele  que sustenta o actual governo de Portugal, talvez fosse mais apropriado começar por utilizar os canais formais de contacto existentes, em vez de começar por pôr em praça pública uma tão importante sugestão. E, para mais,  fazê-lo através de uma tomada de posição pública de uma estrutura difusa e volátil, não parece um caminho recomendável. Quem o percorra pode dar a impressão de não estar  realmente interessado no que sugere. Pode, na verdade, dar a impressão, quiçá injusta, de que o que verdadeiramente  importa aos proponentes é tornarem publicamente ostensivo o seu apoio á solução de governo actualmente vigente no país, sendo a proposta municipal concreta meramente instrumental e descartável.

Este e outros labirintos lançam uma sombra sobre nós.Por mim, cada vez mais me convenço que é  muito melhor as esquerdas partilharem entre si solidariamente uma difícil respiração do futuro, do que estacionarem na eterna questão de se saber qual a justa medida em que devem ser repartidas entre todas elas as culpas pelas vitórias da direita.


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