domingo, 18 de outubro de 2015

PARTIDO SOCIALISTA - labirinto ou encruzilhada ?


1. A comunicação social tem usado o epíteto de “seguristas” para dar significado coletivo e projeção política às posições de alguns apoiantes da António José Seguro, na mais recente disputa interna dentro do PS, que têm manifestado a sua oposição a uma eventual solução política que envolva os partidos de esquerda. Também apoiei AJS nessa disputa, mas sou favorável à tentativa de convergência à esquerda e completamente oposto a qualquer complacência para com a direita. Não me considero pois representado por esses porta-vozes deles próprios que deixaram que se lhes colasse um carimbo que sugere terem recebido um mandato que não existe.  Se há algum “ista” que legitimamente podem ostentar é apenas o que se prenda com os seus próprios nomes.
Tenho as mais fortes dúvidas de que eles reflitam a opinião, quanto à conjuntura atual, de mais do que uma pequena parte dos apoiantes de AJS. Como mero indício nesse sentido, posso citar o que ocorreu há poucos dias na Comissão Política Concelhia de Coimbra. Entre as vozes que se fizeram ouvir apenas duas se podem considerar compatíveis com as posições acima referidas e uma delas não era de um apoiante de AJS. Pelo contrário, houve uma boa meia dúzia de intervenientes que, tendo antes apoiado AJS, foram absolutamente claros no seu apoio a uma abertura à esquerda. Paralelamente, numa posterior  reunião da Comissão Política da Federação Distrital, em que não participei e na qual participaram bastantes apoiantes de AJS, ao que me foi dito, não se levantaram vozes críticas quanto ao caminho que tem vindo a ser seguido.
2. Qualquer militante do PS tem direito a exprimir a sua opinião. E inscreve-se no seu foro ético pessoal a calibragem do exercício desse direito. Uma calibragem que, no entanto, deve ter em conta o momento político que se viva e a medida em que a publicidade das posições tomadas possa favorecer os nossos adversários e prejudicar o PS. Mas não me parece que seja eticamente abrangido por essa liberdade o consentimento de que a comunicação social lhes aponha  qualificativos que sugiram que falam em nome de muitos outros que afinal não só não foram consultados como até  nem concordam com o que eles dizem.
A maior parte dos membros do PS críticos da abertura às outras esquerdas, cuja voz teve eco público, parecem capturados pela narrativa da direita sobre o significado dos resultados eleitorais. Estranhamente, qualificam como natural o apoio a um governo de uma direita possuída pelo fundamentalismo neoliberal, mas alarmam-se com a instituição de um governo protagonizado ou liderado pelo PS. Conformam-se com a humilhante subalternidade perante um governo que combatemos até agora e que tem arrastado o nosso país para a decadência e o nosso povo para o sofrimento, com um governo constituído por gente que agride miseravelmente o PS dias após dia, e que mesmo agora continua a insultar-nos. Foi essa rendição sem honra que motivou os nossos eleitores a escolherem-nos? Mas esse conformismo conjuga-se neles com uma demarcação acre em face da hipótese de um governo onde o PS seria sempre a força liderante , se não se tratasse afinal de um governo socialista monocolor com apoio parlamentar de todas as esquerdas. Parecem sentir-se mais confortáveis num PS que seja uma muleta de uma direita trôpega do que num PS que assuma a liderança de uma solução governativa que consubstancie um entendimento das esquerdas.
Parecem prisioneiros de preconceitos e acontecimentos de um outro século, ecos de uma geopolítica que caducou há décadas, arautos de uma alegada modernidade que o tempo envelheceu, tolhidos pelo medo de qualquer futuro que não seja um espelho pobre dos bloqueios presentes. Parecem encadeados pelo ilusionismo neoliberal que projeta do presente uma imagem virtual que ele próprio rapidamente esquece, quando se trata de agir em face dela. E é precisamente esse encadeamento que explica a facilidade com que embarcam na imagem distorcida que a direita tenta projetar do significado dos resultados eleitorais. Ao não atingir a maioria absoluta a coligação de direita sofreu a derrota decisiva, que aliás procurou evitar congregando os dois partidos do governo cessante. As oposições ao governo em conjunto venceram-no, embora nenhuma delas tivesse alcançado um resultado que lhe permitisse governar sozinha. O governo não pode cantar, por isso, uma vitória inexistente, fingindo que não teve contra ele mais do que cinquenta por cento do eleitorado.
Dentro de uma casa comum de esquerdas como é o PS, com uma  grande amplitude politico-ideológica e com uma relevante dimensão eleitoral, é natural que existam uma ou várias esquerdas , uma ou várias direitas. Todas se devendo oferecer legitimamente ao escrutínio  periódico do militantes que livremente escolham entre elas. Muito poucas vezes isso tem transparentemente acontecido. O mais comum são disputas fulanizadas, menos ideológicas do que tribais, mais radicadas em divisões conjunturais do que em clivagens estruturantes. Isso aconteceu nitidamente nas mais recentes disputas quanto à liderança do PS. As opções que se podem considerar de esquerda e as que se podem considerar de direita, (enquanto qualificativos identificadores e nunca como índices valorativos) estavam conjugadas nas candidaturas que se confrontaram.
Por isso, numa clivagem como aquela que se manifesta a propósito do processo de formação do governo, em que há uma forte conotação politico- ideológica na escolha entre os caminhos possíveis, é natural que os apoiantes da António Costa bem como os apoiantes de António José Seguro se dividam. Por isso, é que sugerir que quem apoiou AJS é contra a abertura às esquerdas, a partir da amplificação do eco de meia-dúzia de manifestações públicas de opinião, é uma falsificação da realidade. Falsificação tanto mais insuportável quanto parece claro que dentro do PS é largamente maioritário o repúdio pelo apoio a um governo de direita e a consequente preferência por um governo que resulte de um entendimento entre as esquerdas.

Em política não há caminhos sem risco, mas se um entendimento entre as esquerdas pode sofrer dificuldades pela pressão de possíveis boicotes dos poderes de facto, dos vampiros financeiros e da cumplicidade sem pudor das direitas europeias, a rendição à direita é ela própria um sofrimento, um colapso estrutural, um desmoronamento identitário. No primeiro caso, podemos ter no governo dificuldades por assumirmos a nossa identidade histórica e o nosso dever ético-político, mas no segundo caso podemos ter de arcar com a partilha de responsabilidades pelos desmandos de um governo a que somos alheios e que tem como um dos alvos principais dos seus ataques e dos seus insultos o próprio PS. Num caso, poderemos ter dificuldades, em função de uma prática política em que somos liderantes; no outro caso, sofreremos as consequências de uma ação governativa  dos principais algozes políticos dos que confiaram em nós.

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