sábado, 26 de dezembro de 2015

AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS - dilemas e confrontações.



 AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS  - dilemas e confrontações.

1. Está estabilizado o elenco dos candidatos à Presidência da República que vão ser votados pelos portugueses em 24 de janeiro. Mesmo sendo conhecida a falibilidade das sondagens, é improvável que elas sejam estruturalmente desmentidas nas eleições. A realidade saída das urnas pode afastar-se delas parcelarmente, mas não nos mostrará, decerto, uma imagem estruturalmente diferente daquela que elas nos têm vindo a transmitir.
Há um candidato da direita, Marcelo Rebelo de Sousa, que se revela como o mais provável vencedor da primeira volta, reunindo um conjunto de intenções de voto que torna admissível a sua eleição à primeira volta. A máquina de propaganda da direita, todo o complexo mediático dominante, quer inculcar nos eleitores uma imagem de inevitabilidade dessa vitória à primeira volta, que todavia está longe de espelhar a realidade. De facto, as intenções de voto em MRS excedem pouco os 50% e é sabido que, em Portugal, o conjunto do eleitorado da esquerda tende quase sempre a ser maior do que o da direita.
À esquerda há quatro candidatos com consistência política, Maria de Belém, Sampaio da Nóvoa, Marisa Matias e Edgar Silva. Os dois últimos são apoiados, respetivamente, pelo BE e pelo PCP. Os dois primeiros, embora não tendo o apoio oficial do PS na primeira volta, repartem entre si uma parte muito relevante dos eleitores desse partido. Sampaio da Nóvoa é também apoiado pelo Livre e pelo MRPP. Da dinâmica destas quatro candidaturas depende em larga medida a realização de uma segunda volta. Da sua dinâmica e da medida em que cada uma delas consiga aproximar-se do seu teto potencial de eleitores. Isto, dando-se como adquirido que não se digladiarão entre elas, concentrando todo o seu poder de fogo e toda a sua agressividade no candidato da direita.
Segue-se depois um pequeno pelotão de candidatos, politicamente pouco relevantes, com perfis pessoais, profissionais e políticos muito diversos, com níveis de notoriedade pública também distintos. As propostas que se lhes conhecem e os temas a que dão prioridade também não são coincidentes, mas talvez seja possível ver em todos eles uma forte desconfiança quanto aos partidos políticos existentes. Virão talvez deles os maiores dislates, mas não é de excluir que deste conjunto saiam também algumas ideias inovadoras. Não são um fenómeno novo. Os eleitores já se habituaram a eles. Não os hostilizam, alguns até gostam deles, mas poucos lhes dão o voto. Em conjunto, podem, no entanto, passar dos 5% dos votos. São talvez um sintoma da incompletude da nossa democracia, uma externalidade negativa no plano político, mas são uma manifestação  de vitalidade cívica.

2. É muito positivo o empenhamento dos cidadãos nas candidaturas que apoiem. É péssima a indiferença. É negativa a hesitação. É particularmente negativa a hesitação que se traduza de imediato no alheamento e mais tarde na abstenção.
Na perspetiva de um cidadão de esquerda, militante do Partido Socialista, apoiante de Maria de Belém, como é o meu caso, é naturalmente preferível que os apoios à sua candidata continuem a crescer. Mas é particularmente negativo, não o apoio dos eleitores habituais ou irregulares do PS em qualquer outro candidato de esquerda (em especial nos que tenham uma real densidade política), mas a ausência de apoio a qualquer deles. Essa possível omissão é a prenda mais apetitosa que pode ser dada ao candidato da direita, Marcelo Rebelo de Sousa.
Praticando aquilo que preconizo e comportando-me como penso ser a atitude política mais recomendável aos cidadãos de esquerda na atual conjuntura, não vou tecer críticas substanciais a qualquer dos três candidatos de esquerda acima destacados que não apoio, nem vou insistir nas razões que me levam a apoiar Maria de Belém. Não esperando que quem já tenha uma opinião formada tenha que forçosamente deixar de me ler, vou no entanto dirigir-me especialmente aos cidadãos eleitores que estejam hesitantes entre apoiar Maria de Belém ou Sampaio da Nóvoa, as duas candidaturas que concitam mais apoios entre os socialistas.
 Sob pena de cairmos numa arrogância estéril, devemos dar todos como adquirido que a própria divisão de apoios referida indicia que ambos os candidatos têm um perfil adequado para desempenharem com êxito as funções a que se candidatam, embora naturalmente sejam diferentes as suas qualidades, aptidões e experiências. Por mim, valorizo mais as da candidata que apoio; com outros acontecerá certamente o contrário.

3. Mas a evolução política dos últimos meses, em Portugal, geradora de um xadrez politico inédito desde o 25 de abril, mudou estruturalmente os dados que caracterizavam a situação portuguesa. E essa mudança feriu profundamente uma dessas duas candidaturas e deixou incólume a outra.
De facto, essa mudança estrutural do xadrez político atingiu profundamente a candidatura de Sampaio da Nóvoa. Ela foi concebida, preparada e lançada, como elemento decisivo de um dispositivo facilitador de uma convergência dos partidos de esquerda, que se desejava ampla mas se admitia como mitigada na esperança de que pudesse vir a ser crescente. Muito naturalmente, o alvo principal era o PS na busca de ser conseguido o seu apoio institucional e político a essa candidatura. O seu apoio formal. Dos outros partidos de esquerda, desejando-se o apoio, não se excluía a utilidade de uma outra qualquer manifestação favorável menos formal. Poderia ser uma convergência logo à primeira volta; e, na pior das hipóteses, poderia ser uma convergência apenas na segunda.
Cientes da centralidade do PS neste processo, os outros partidos de esquerda, não tendo dado sinais negativos, não quebraram uma prudente reserva. O PS reagiu com uma abertura prudente, dando voz a Sampaio da Nóvoa, em eventos nacionais, quer sob a atual direção, quer sob a anterior. Não tendo eu a ciência dos corredores, não sei que conversas houve entre as direções do PS e o potencial candidato, ou sequer se as houve. E tendo havido alguns discretos sinais públicos de proximidade, o certo é que dentro do PS tal candidatura nunca foi discutida, não tendo sido tornada pública qualquer decisão de qualquer dos seus órgãos nacionais sobre o assunto.
 O que poderia ser encarado como uma maneira discreta de apoiar (de ir tornando evidente esse apoio) acabou por ser olhado como uma hesitação. Essa hesitação, sendo de início encarada principalmente como resultando das necessidades táticas e operacionais do PS, acabou por ser contaminada pela resistência do pré-candidato Nóvoa a subir nas sondagens, a ter uma presença ao menos honrosa nas sondagens. E o que começara por ser visto como simples tacticismo algo egoístico da direção do PS, passou também a ser olhado como consequência da fragilidade do candidato, em termos de popularidade eleitoral.
A ausência de um apoio oficial do PS ao pré-candidato Nóvoa, que continuava a voar baixo nas sondagens, sem concitar entusiasmos nem romper a teia de um quase anonimato em termos do grande público, suscitaram na área político-eleitoral do PS uma crescente incomodidade que rapidamente se transformou num vazio. Não era clara a mensagem objetiva dos factos.
O espaço para uma candidatura saída de dentro do PS alargou-se exponencialmente, transformando-se numa necessidade política, que naturalmente se projetou na consciência de quem se sabia vocacionado e preparado para isso, como um imperativo. Imperativo a que dificilmente poderia fugir quem, estando nessas condições, fosse reiteradamente desafiado e estimulado por muitos para se disponibilizar para esse combate. Foi o que aconteceu com Maria de Belém.

4. A direção do PS poderia ter organizado eleições primárias abertas para decidir quem apoiava, podia ter reunido órgãos nacionais e ter decidido. Não o fez. Decidiu antes não apoiar nenhum candidato na primeira volta. Podendo vislumbrar-se a positividade desta decisão no plano da ética, não se pode deixar de a considerar como politicamente negativa. Enfim, a decisão está tomada, os socialistas estão espalhados pelas duas candidaturas, embora muitos deles, infelizmente, permaneçam fora das duas.
Neste quadro, e voltando à análise dos danos causados à candidatura de Sampaio da Nóvoa pela recente mutação no xadrez político português, suscitada pelo entendimento entre as esquerdas que tornou possível o governo liderado por António Costa, verificamos que a paisagem política que esteve na génese da candidatura de Nóvoa já não existe. Os resultados eleitorais e o modo como as forças políticas de direita e de esquerda se concertaram e dividiram a partir deles, geraram um entendimento político das esquerdas parlamentares muito mais consistente e muito mais amplo do que aquele que estava no horizonte mais otimista da estratégia que concebia Nóvoa como um impulsionador potencial de uma convergência de esquerda. O desígnio estratégico central desta candidatura desvaneceu-se, tendo por isso perdido o essencial da sua razão de ser original. Da razão que ocupou o cerne das dinâmicas concertadas de apoio que o candidato suscitou.

5. O BE e o PCP compreenderam isso. Promoveram candidaturas próprias, cujos protagonistas têm um perfil político que indicia claramente que estamos perante candidaturas que querem ir a votos, que querem fixar na primeira volta o eleitorado dos respetivos partidos, para que possam, numa segunda volta, contribuir para a vitória de um candidato de esquerda. Perante isto, consumou-se a objetiva frustração do desígnio essencial da candidatura de Nóvoa. A inércia das dinâmicas frustradas e a posição neutra do PS prolongaram um nível de intenções de voto a seu favor que o aproxima das que reúne Maria de Belém, mas privaram-no irremediavelmente da margem de crescimento eleitoral de que precisa para poder pensar em vencer.
Por isso, verdadeiramente, a atual candidatura de Nóvoa é apenas uma sombra da que de início foi pensada. Não por ter havido nela uma qualquer mutação substancial, mas porque o novo xadrez político português lhe alterou radicalmente o sentido e o significado, esvaziando-a irremediavelmente do essencial do seu horizonte estratégico.
Pelo contrário, a candidatura de Maria de Belém nada perdeu com a referida alteração do xadrez político. Sendo uma candidatura que se situa no centro da esquerda no plano estritamente político, é uma candidatura estrutural e diretamente enraizada no terreno da economia social, o que lhe permite uma fácil e natural abertura através dela, a setores sociais que, em termos estritamente políticos, podem ser encarados como estando situados quer à sua esquerda quer à sua direita. Sabendo-se quem o é candidato da direita percebe-se que o terreno social é um terreno decisivo. Ele já está a ficcionar-se para tentar expandir os seus apoios através dele. E aí Maria de Belém tem a vantagem de quem está nesse terreno há décadas, tendo uma experiência sólida, daquelas que não se constroem de um dia para o outro, nem se compensam com banhos rápidos de assessoria, ou com qualquer retórica imaginativa e perdulária.

6.Dito isto, os meus votos relativamente a todos aqueles que convictamente já se envolveram em qualquer das quatro candidaturas de esquerda, que tenham verdadeira densidade política e que acima mencionei, ou que por opção partidária têm a sua escolha já feita, vão no sentido de que transmitam eficácia ao seu entusiasmo no apoio aos seus candidatos. Quanto aos que estejam ainda hesitantes no apoio a dar, peço-lhe que ponderem o que lhes acabo de dizer e decidam em consciência. 

                                                                                         Rui  Namorado
                                                                                                                          (26.12.2015)


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